Infarto Agudo do Miocárdio: papel do ecocardiograma (parte I)

O infarto agudo do miocárdio (IAM) permanece como uma doença de alta morbimortalidade. O seu diagnóstico é uma das principais indicações da ecocardiografia, método de escolha realizado à beira do leito, de baixo custo, disponível e capaz de avaliar a presença de complicações.

Como sabemos, com o advento da terapia de reperfusão miocárdica, as complicações relacionadas ao IAM reduziram de forma significativa. É verdade, entretanto, que esta terapia tem eficácia limitada a depender do tempo transcorrido entre a oclusão coronária até a sua reperfusão (afinal, tempo é músculo). As grandes alterações que ocorrem no IAM são decorrentes de isquemia, edema e reperfusão, que implicam na necessidade de avaliação ecocardiográfica dentro das primeiras 48h. O principal objetivo do exame consiste na avaliação da função sistólica global e segmentar, além da investigação de possíveis complicações (objetivo deste post).

Sabemos que as possíveis complicações do IAM podem ser classificadas em isquêmicas (recorrência, extensão do IAM), arritmias, embólicas (sistema nervoso central ou periférica), inflamatórias (pericardite) e mecânicas. Aqui, vamos citar o papel da ecocardiografia nas principais complicações mecânicas.

# COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR (CIV):

https://www.youtube.com/watch?v=PMMSOYQtrWc

Com incidência estimada em <1% na era pós angioplastia primária, mantém um elevado índice de mortalidade (670-70%). Normalmente, a ruptura do septo interventricular se dá dentro dentro de 3-7 dias de extenso infarto transmural, podendo também ocorrer dentro das primeiras 24h após o tratamento percutâneo em infartos de parede anterior e inferior.

Apresenta contorno irregular, encontrado em áreas com a contratilidade alterada (diferenciando-se dos defeitos congênitos, presentes em segmentos com contratilidade preservada).

A avaliação da função do ventrículo direito (VD) na presença de CIV pós infarto é de grande importância, pois a CIV localizada na porção basal (IAM de parede inferior) tem pior prognóstico do que aqueles que ocorrem na região apical. Além disso, a presença de shunt DIR-ESQ durante a diástole indica disfunção ventricular direita (associada ao aumento de mortalidade).

A ruptura do septo, contudo, pode formar túneis na parede septal com pontos de reentradas de diferentes níveis, o que pode dificultar sua identificação através da ecocardiografia bidimensional, necessitando, desta forma, do auxílio do Doppler colorido, útil também na avaliação do tamanho do defeito por meio da largura do jato. A avaliação pelo ecocardiograma 3D auxilia na escolha do tamanho do dispositivo quando o fechamento percutâneo está indicado.

ESQ – CIV medindo 1.04 cm; ESQ – CIV tratada com dispositivo oclusor.

A seguir, dois vídeos do mesmo caso de CIV pós IAM com tentativa de tratamento com dispositivo oclusor por instabilidade hemodinâmica do paciente.

# HEMATOMA INTRAMIOCÁRDICO DISSECANTE:

É uma rara complicação que consiste na infiltração de sangue para o interior do miocárdio, mantendo íntegro o endocárdio e o epicárdio. Um dos mecanismos propostos é de rompimento de vasos miocárdicos para o interior do interstício, formando uma neocavidade limitada pelo miocárdio, com consequente redução do estiramento na área do infarto. O hematoma pode expandir e romper para alguma estrutura adjacente ou resolver espontaneamente.

# INFARTO DE VD:

Ocorre em 30-50% dos casos de IAM de parede inferior do ventrículo esquerdo por oclusão da artéria coronária DIR.

O ecocardiograma apresenta boa sensibilidade (82%) e especificidade (93%) para o diagnóstico, representado pelo aumento da cavidade ventricular direita, com hipocinesia ou acinesia de sua parede. Em aproximadamente 50% dos casos pode ser observado do sinal de McConnell, ratificando que esse sinal não é específico de embolia pulmonar (não lembra como identificá-lo?! Então, clica aqui).

Outros achados incluem: movimento paradoxal do septo interventricular (por compensação da acinesia ou hipocinesia da parede livre), abertura precoce da valva pulmonar (por aumento das pressões nas cavidades direitas), dilatação da veia cava inferior e ruptura de parede livre do VD. Além disso, insuficiência tricúspide (IT) significativa pode ocorrer em pelo menos 1/3 dos casos (ruptura de músculo papilar ou por dilatação da cavidade, causando tethering do folheto tricuspídeo).

Em relação às variáveis ecocardiográficas avaliadas, podemos observar:

  • Redução do TAPSE;
  • Redução da FAC;
  • Redução da Onda S (sistólica) do anel tricúspide;
  • Redução do Strain da parede livre do VD.

# TROMBO:

A presença de trombo após IAM está associada a um risco 5x maior de embolização sistêmica e relacionada com alta mortalidade, principalmente quando a sua formação ocorre nas primeiras 48h.

Nos infartos de parede anterior com FE < 40% e grande área acinética/discinética, há alto risco de formação de trombo, embora também encontrado em infartos menores.

O ecocardiograma é fundamental (sensibilidade 92-95% e especificidade 86-88%), em que o trombo é descrito como estrutura ecogênica de contorno distinto ao endocárdio.

Além disso, o trombo pode variar de tamanho, formato e classificar-se como séssil ou pedunculado. Em relação à ecogenicidade, os trombos considerados “frescos” são similares ao miocárdio, diferente dos mais antigos, que são mais ecogênicos, organizados e com brilho mais característico.

A – trombo recente; B – trombo antigo, “organizado”.

Distinguir a demarcação linear entre o trombo e o endocárdio, entretanto, pode ser um desafio e, neste cenário, o uso de contraste ecocardiográfico pode ser fundamental (a presença do trombo impossibilita o preenchimento da região pelo contraste).

Eu não sei vocês, mas eu já cansei de escrever rsrsrs. Então, para não ficar ainda mais cansativo, irei dividir este tema em tópicos abordados em mais de uma postagem. Pode ser? Até mais!!!!

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[…] continuidade ao post anterior, vamos falar de outras complicações mecânicas do […]

[…] foi publicado aqui duas postagens sobre complicações mecânicas após infarto agudo de miocárdio, com ênfase nos aspectos ecocardiográficos, e uma das […]

[…] mecânicas agudas, imediatamente pensamos naquelas provenientes de lesões isquêmicas (ver post). Contudo, embora bem menos frequente, é possível que estas sejam resultantes de lesões […]

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