Hematoma Dissecante Intramiocárdico: aspectos ecocardiográficos

Recentemente foi publicado aqui duas postagens sobre complicações mecânicas após infarto agudo de miocárdio, com ênfase nos aspectos ecocardiográficos, e uma das alterações descritas foi o hematoma dissecante intramiocárdico. Tal tema me chamou atenção por pessoalmente desconhecer esta alteração e, por isso, resolvi fazer uma nova postagem específica para este achado.

Tradicionalmente, a ruptura miocárdica pós infarto agudo do miocárdio (IAM) é definida como uma solução de continuidade que permite a passagem de sangue para a cavidade pericárdica ou através do septo interventricular. Contudo, tal ruptura pode ocorrer não necessariamente de forma transmural, se manifestando como hematoma dissecante intramiocárdico.

Caracteriza-se pela dissecção em espiral das fibras musculares miocárdicas. Tem origem no local exato onde ocorre a isquemia decorrente do infarto, estendendo-se pelo tecido intersticial entre as fibras musculares.

Pode ter localização exclusivamente miocárdica ou apresentar comunicação com uma ou ambas cavidades ventriculares.

Ao ecocardiograma, apresenta-se como uma cavidade ecogênica, que pode apresentar evolução benigna com completa absorção do hematoma ao longo de meses. Em outros casos, contudo, pode evoluir com dilatação das cavidades cardíacas e disfunção ventricular.

A seguir um relato de caso:

Homem, 59 anos de idade, admitido na emergência com dor torácica típica, palpitações e dispneia, com início há 02 dias. Eletrocardiograma demonstrando taquicardia (FC 140 bpm) com QRS alargado (morfologia de bloqueio de ramo esquerdo) compatível com taquicardia ventricular monomórfica.

Na admissão, o paciente estava consciente, porém com pressão arterial de 90×60 mmHg, sendo prontamente realizada cardioversão elétrica sincronizada, com sucesso. ECG basal em ritmo sinusal e com supradesnivelamento do segmento ST em V2-V4, além de onda Q patológica nessas derivações.

Ecocardiograma mostrou dilatação do ventrículo esquerdo, com afilamento e acinesia apical e do segmento “médio distal” da parede anterosseptal. Fração de ejeção estimada em 15%.

O paciente evoluiu com episódios recorrentes de taquicardia ventricular monomórfica, requerendo repetidas cardioversões sincronizadas (amiodarona não foi utilizada por intervalo Qt prolongado). Cateterismo cardíaco evidenciou oclusão total do segmento médio da artéria descendente anterior e lesão moderada no segmento médio da coronária direita e severa no segmento proximal da circunflexa (realizado angioplastia das três lesões).

Novo ecocardiograma realizado 4 dias depois demonstrou a persistência das alterações segmentares descritas anteriormente, contudo com achado adicional de um imagem móvel, com aparência semelhante a um “flap“, originado na segmento médio anterosseptal indo até a região apical do ventrículo esquerdo (VE). Havia um grande “espaço livre” ecogênico entre a imagem semelhante ao “flap” e o ápice do VE, não havendo comunicação deste espaço com a cavidade ventricular ao estudo com Doppler.

Dada a instabilidade hemodinâmica do paciente, não foi possível realizar ressonância magnética ou tomografia cardíaca para ajudar na elucidação desta imagem. Após discussão em heart time, o diagnóstico de hematoma dissecante intramiocárdico foi definido, com redução do volume da cavidade ventricular esquerda (contribuindo para a instabilidade hemodinâmica).

O paciente evoluiu com melhora hemodinâmica gradual e novo ecocardiograma realizado após o sétimo dia da angioplastia mostrou redução significativa do “espaço livre” no VE. No décimo dia, foi realizado um ecocardiograma com contraste com resolução completa do hematoma.

Evolução temporal do hematoma dissecante intramiocárdico.

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Willams de Matos Moraes

Excelente apresentação de casos raros da ecocardiografia, contudo de grande importância na prática clinico-cardiológica. Parabéns caríssimo Caio Guedes.

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