Quando falamos em complicações mecânicas agudas, imediatamente pensamos naquelas provenientes de lesões isquêmicas (ver post). Contudo, embora bem menos frequente, é possível que estas sejam resultantes de lesões traumáticas diretas, como por exemplo em acidentes automobilísticos.
Trago aqui um relato (link) de um caso de dissecção intramiocárdica do ventrículo esquerdo (VE) com avulsão simultânea de músculo papilar, resultado em regurgitação mitral severa.
Paciente no curso de 08 semanas de gestação, 35 anos, vítima de trauma torácico fechado (contuso) após acidente automobilístico por colisão carro-carro (houve acionamento dos airbags). Admitida no setor de trauma consciente, queixando-se de dor em região cervical e com ECG demonstrando taquicardia sinusal.
TC de tórax demonstrou pequeno e circunferencial derram pericárdico e contusões pulmonares bilaterais. A paciente passou a apresentar extrassístoles ventriculares e episódios de taquicardia ventricular não sustentada, motivo pelo qual foram iniciadas Amiodarona e Lidocaína.
Ao realizar o ecocardiograma transtorácico, foi observado uma grande massa ecogênica móvel (A e B) dentro do VE conectada à região dos segmentos médios do VE, além de formação de uma neocavidade em direção à região apical, com presença de hipocinesia e afilamento do ápex.
O folheto anterior da valva mitral apresentando movimento sistólico posterior, levando a coaptação incompleta e, por consequência, refluxo valvar severo (ERO 0,5 cm², volume regurgitante 57 ml, fração regurgitante 59%), com jato excêntrico direcionando-se posteriormente (C).
Baseado nesses achados, o diagnóstico de dissecção intramiocárdica do ventrículo esquerdo foi feito, com provável avulsão do músculo papilar anterolateral.
A paciente foi submetida a cirurgia de troca valvar em caráter emergencial e o ecocardiograma transesofágico intraoperatório confirmou a avulsão do músculo papilar com prolapso para o interior do átrio esquerdo durante a sístole. Realizado troca valvar mitral por prótese mecânica e feita a resseção do dissecção intramiocárdica.
A paciente apresentou boa evolução, recebendo alta no 8º dia de pós operatório e sem intercorrências futuras. O parto foi realizado na 38ª semana de gestação por cesárea.
A dissecção intramiocárdica é causada por uma hemorragia (formação de hematoma) que disseca as fibras miocárdicas em espiral, criando uma neocavidade miocárdica sem uma ruptura completa. Além de trauma torácico, pode ocorrer de forma iatrogênica (perfuração septal durante intervenção percutânea ou por revascularização de uma oclusão coronária crônica cujo território miocárdico já não apresenta mais viabilidade).
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.