Cada vez mais temos visto pacientes usuários de esteroides anabolizantes em doses suprafisiológicas nos consultórios de cardiologia. A toxicidade cardíaca relacionada ao abuso dessas substâncias está cada vez mais documentada na literatura e esses pacientes, com graus variados de dano miocárdico, precisam de um acompanhamento cardiológico apropriado.
Sabemos também que o uso de técnicas ecocardiográficas avançadas, como strain e trabalho miocárdico, é imprescindível na avaliação da toxicidade induzida pelos esteroides anabolizantes, uma vez que o ecocardiograma convencional tem papel limitado nestes pacientes.
Então, vamos analisar mais um artigo sobre o tema.
Estudo com 115 atletas profissionais de fisiculturismo, incluindo 65 atletas com uso abusivo de esteroides anabolizantes (EA) há pelo menos 05 anos, 50 atletas não usuários e grupo controle composto por 50 indivíduos sedentários saudáveis.
Os critérios de exclusão foram (1) doença valvar ou congênita, (2) cardiomiopatias, (3) doença coronariana, (4) insuficiência cardíaca, (5) diabetes mellitus e (6) ecocardiograma com qualidade técnica inadequada.
Todos os atletas tinham uma rotina intensa de treinamento, com média de 15-20h/semana por mais de 05 anos. Quanto ao uso de esteroides anabolizantes, aqueles que tinham feito uso de hormônio do crescimento (GH) no último ano, bem como os atletas que já haviam feito uso de cocaína em algum momento da vida foram excluídos.
O indivíduos do grupo controle foram pareados de acordo com sexo e idade, eram todos normotensos, com eletrocardiograma de repouso normal e ecocardiograma demonstrando fração de ejeção > 55%, sem alteração da contratilidade segmentar.
Os participantes realizaram estudo ecocardiográfico em repouso e durante esforço físico em bicicleta, com incremento de 25 W a cada 2 minutos, com a análise sendo realizada durante o pico do esforço.
Ainda, ultrassom pulmonar foi realizado com objetivo de detectar congestão cujo critério de positividade foi a presença de linhas B durante o estresse com escore maior que 02 pontos em relação ao repouso.
Em relação à análise ecocardiográfica em repouso, o índice de massa não apresentou diferença significativa entre os dois grupos de atletas. Tanto usuários quanto não usuários de EA apresentaram aumento da espessura diastólica das paredes do ventrículo esquerdo (VE) e do stroke volume comparados com o grupo controle.
Fração de ejeção do VE, diâmetro diastólico final, índices de Doppler transmitral e ultrassonografia pulmonar foram comparáveis entre os 03 grupos. Por outro lado, volume do átrio esquerdo (AE) indexado, strain do VE e relação E/e´ foram maiores* nos usuários de EA.
* Lembrem-se que o strain longitudinal do VE é descrito como negativo, logo um “valor maior” reflete uma redução da função.
Os diâmetros do ventrículo direito (VD) foram levemente aumentados nos atletas. Já o TAPSE e onda S do anel tricúspide foram similares entre atletas e o grupo controle.
O strain de parede livre do VD foi obtido, durante o repouso, em 95% de todos os segmentos avaliados. Entre os usuários de EA, o strain de parede livre do VD esteve significativamente reduzido (controle: -22,2±3,5% / usuários: -15.4±2,6% / ñ usuários: -20,8±3,7%).
Durante o esforço, os atletas usuários de EA mostraram redução no VO2 máximo e valores mais elevados de pressão arterial sistólica (PAS).
Aumentos da fração de ejeção do VE e dos índices de função sistólica do VD foram similares entre os 03 grupos. O aumento do strain global longitudinal (SGL) do VE e do strain de parede livre do VD (melhora da função), por sua vez, foi significativamente menor nos atletas usuários de EA comparados com os outros dois grupos.
Ainda, usuários de EA apresentaram maiores valores, durante o pico do esforço, da relação E/e´, PSAP e de ondas B ao ultrassom pulmonar.
No grupo de atletas usuários de EA, as variáveis idade (r = 0.35; P<0.001), maior tempo de treinamento em anos (r = -0.37; p <0.001), quantidade de semanas (duração) de uso de EA (r = 0.53; p<0.001), aumento da relação E/e´ (r = 0.48; p<0.001) e PSAP (r = 0.51; p<0.001) se correlacionaram com o valor do strain de parede livre do VD durante o esforço.
Após análise multivariada, apenas a relação E/e´, PSAP (ambos durante o pico do esforço) e o tempo de duração de uso de EA/ano foram considerados determinantes independentes do strain de parede livre do VD em repouso.
Houve um associação próxima entre a função ventricular direita em repouso e o VO2 máximo no esforço.
Um strain de parede livre do VD <15% pôde identificar usuários de EA com sensibilidade de 83.3% e especificidade de 92.1% (AUC: 0.84. IC 95%: 0.66-0.84, P<0.0001).
Mais um estudo mostrando que, apesar de parâmetros convencionais não demonstrarem alterações, a análise através do strain foi capaz de detectar diminuição da função ventricular entre usuários de EA.
Outro achado importante foi de que, mesmo após a correção de potenciais fatores confundidores, o strain de parede livre do VD se correlacionou de forma direta com as pressões de enchimento do VE e com a PSAP nos usuários de EA, assim como se mostrou um poderoso fator independente preditor de capacidade funcional durante o esforço.
Também foi possível detectar uma redução significativa do SGL do VE, tanto em repouso quanto durante o esforço, nos usuários do EA, sugerindo um padrão de disfunção biventricular neste população.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.