Isquemia miocárdica induzida por estresse mental consiste em uma reposta isquêmica, transitória e quase sempre silenciosa, em reposta à situações de estresse emocional e sua presença se associa a uma maior incidência de eventos cardiovasculares adversos e mortalidade por todas as causas.
Estudos prévios já documentaram uma maior prevalência de isquemia miocárdica induzida por estresse mental entre pacientes portadores de doença arterial coronariana (DAC) obstrutiva, sobretudo mulheres.
Contudo, aproximadamente 1/3 a 2/3 das mulheres que apresentam angina e que são submetidas à angiografia coronariana invasiva não apresentam lesões obstrutivas (ANOCA – angina and nonobstructive coronary artery disease).
Um estudo utilizou o método de strain (automatizado) e avaliação ecocardiográfica com agentes de contraste miocárdico para avaliar a presença de isquemia induzida por estresse mental em pacientes mulheres com ANOCA.
Foram avaliadas 72 mulheres, com idades entre 18 e 75 anos, com quadro de angina associada a DAC não obstrutiva demonstrada por ausência de lesão > 50% na angiotomografia (AngioTC) de artérias coronárias ou no cateterismo cardíaco. O grupo controle foi composto por 23 mulheres assintomáticas e com AngioTC de coronárias sem alterações.
Os critérios de exclusão foram: (1) dor torácica de etiologia não cardíaca e (2) uso de antidepressivos ou antipsicóticos nos últimos 30 dias da análise ecocardiográfica.
As participantes realizaram ecocardiograma e tomografia com emissão de pósitrons (PET) para avaliação de perfusão miocárdica durante o repouso e durante estresse mental, além de estresse farmacológico (adenosina) em dias separados .
O teste de estresse mental aplicado foi o Stroop Test modificado, realizado em ambiente silencioso e calmo, pela manhã após um período de descanso de 15 minutos – vídeo do Youtube demonstrando como o teste é realizado.
Antes do teste, as participantes foram orientadas a suspender uso de betabloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio por período equivalente a 3-5 tempos de meia-vida das medicações, bem como não fazer uso de cafeína ou tabaco nas últimas 12h.
A isquemia miocárdica induzida por estresse mental foi definida pela presença de uma diferença ≥ 3 no score de avaliação de perfusão miocárdica pelo PETct.
Após a aquisição das imagens ecocardiográficas para a realização do strain global longitudinal do ventrículo esquerdo (VE), uma análise adicional com agentes de contraste miocárdico foi realizada.
A variação da fração de ejeção (FE) do VE (∆FEVE) foi determinada pela diferença da FEVE em repouso e durante o estresse. Quanto ao protocolo da análise da perfusão com agente ecocardiográfica de contraste, tivemos Y que representa a intensidade do sinal pelo tempo – t, A como intensidade do sinal no platô (representando o volume microvascular) e a constante β (s -1) como taxa de fluxo de microbolhas pela microcirculação. O termo A x β reflete o parâmetro semiquantitativo de fluxo miocárdico.
A reserva β e reserva de fluxo (A x reserva β) foram determinados pela relação dos dados durante o estresse e repouso.
Dentre as participantes, 14 (15%) apresentaram estenose coronariana leve (0-49%), incluindo 3 com lesões < 10%, 2 com lesões entre 10-20%, 5 com lesões entre 20-30% e 4 com lesões entre 30-40%. Não houve diferença estatística significativa entre as lesões coronarianas dos grupos ANOCA e controle.
Das 74 participantes que realizaram PETct, 13 foram diagnosticadas com disfunção microvascular, sem haver, contudo, diferença na prevalência entre os dois grupos (P = 0.37).
33 participantes do grupo ANOCA (44%) foram diagnosticadas com isquemia miocárdica induzida por estresse mental através do PETct durante estresse mental, enquanto que as 40 restantes não apresentaram alteração neste método. Já no grupo controle, apenas 01 participante (4%) teve isquemia documentada na fase de estresse mental (P < 0.01).
Durante o repouso, não houve diferença significativa do strain global longitudinal (SGL) do VE entre as pacientes ANOCA com isquemia induzida por estresse mental, pacientes ANOCA sem isquemia e o grupo controle.
Durante a fase de estresse mental, o padrão foi diferente. As pacientes com ANOCA e isquemia apresentaram redução do SGL na fase 02 do teste de Stroop modificado comparando com a fase de repouso (P < 0.01), enquanto que aquelas sem isquemia não apresentaram diferença significativa durante o teste.
Já no grupo controle, foi documentado um aumento do SGL na primeira fase do teste de estresse mental comparando com os valores em repouso e recuperação (P = 0.03).
Não houve diferenças na FEVE durante o teste de estresse mental entre os 3 grupos.
Os parâmetros β e A x β de análise de perfusão miocárdica, apresentaram comportamento semelhante aos do SGL durante o estresse mental.
As pacientes do grupo ANOCA com isquemia mostraram um leve aumento dos valores β na fase 01 comparando com a recuperação (P = 0.04), enquanto que tanto A quanto A x β não mostraram alterações significativas durante as fases do teste.
Já as pacientes do grupo ANOCA, mas sem isquemia tanto β quanto A x β aumentaram significativamente nas fases 1 e 2 comparando com o repouso (P < 0.01). O grupo controle também apresentou aumento desses parâmetros.
Ainda, pacientes ANOCA com isquemia apresentaram valores menores de β e A x β na fase 02 do teste comparado com os outros dois grupos (P < 0.05).
Durante o teste de estresse mental, o ∆GLS nas pacientes ANOCA com isquemia foi de -9% (-10.7, -2.8), significativamente maior em valores absolutos do que nas pacientes ANOCA sem isquemia e grupo controle (P<0.01). Não houve diferença no ∆FEVE entre os 3 grupos.
A análise por curva ROC mostrou que os parâmetros ecocardiográficos analisados, incluindo o ∆GLS, índice de reserva de perfusão miocárdica β e A x β, tiveram sensibilidade e especificidade preditivas favoráveis para detecção de isquemia induzida por estresse mental.
Dentre as variáveis diagnósticas para isquemia induzida por estresse mental, o ∆GLS e A x β associado aos fatores de riscos clínicos e índice de massa corpórea exibiram maior acurácia para predizer isquemia (AUC = 0.94;95% IC, 0.85-0.98, todos com P < 0.05).
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.