A avaliação da função diastólica do ventrículo esquerdo (VE) realizada pela ecocardiografia convencional baseia-se num conjunto de dados que traduzem as condições hemodinâmicas e a carga das cavidades cardíacas, a dinâmica de contração e relaxamento dos ventrículos e as pressões de enchimento ventricular, atrial e do sistema circulatório pulmonar.
Esses dados encontram-se no guideline da Sociedade Americana de Ecocardiografia. Por isso devem ser empregados vários parâmetros que, em conjunto, podem fornecer uma noção das condições dinâmicas e pressóricas das cavidades, permitindo a classificação da função diastólica.
A detecção de disfunção diastólica é de fundamental importância para a estratificação, tratamento e evolução dos pacientes, com importantes implicâncias prognósticas, pois a disfunção diastólica, mesmo nos casos com função sistólica preservada, se associa com aumento da morbimortalidade.
Contudo, os parâmetros convencionais de análise são usados para classificar alguns pacientes como portadores de disfunção diastólica indeterminada, produzindo certo grau de confusão, principalmente para o cardiologista clínico que precisa definir uma conduta para o seu paciente.
Assim, parâmetros de deformação sistólica (strain global longitudinal -SGL e strain rate sistólico) e diastólica (strain rate diastólico precoce ou da onde e´) são citados como complementares e cada vez mais ganham espaço nas recomendações mais atuais sobre avaliação da função diastólica.
Vamos, então, citar algumas aplicabilidades destes recursos ecocardiográficos no contexto da avaliação da função diastólica. Para tanto, utilizarei como referência a nova edição do livro Aplicações do Strain Cardíaco, do Prof. Castillo (para acessar o link, basta clicar na imagem abaixo).
DEFORMAÇÃO DO VE – Strain e Strain Rate: a utilização dos parâmetros de deformação miocárdica aplicados aos ventrículos e átrios apresenta importante valor preditivo na análise da disfunção diastólica, principalmente a que ocorre com FE preservada.
Os parâmetros de deformação miocárdica se alteram gradativamente na disfunção diastólica. O SLG encontra-se diminuído na disfunção diastólica em pacientes com fração de ejeção (FE) preservada, mas com diminuição da capacidade ao exercício.
A diminuição do SLG e do strain rate sistólico ocorre normalmente nas disfunções diastólicas grau 2 e grau 3, quando há aumento da pressão do AE. Já o strain rate diastólico precoce (da onda e’) diminui em todos os graus de disfunção diastólica. Com o valor de corte para o strain rate diastólico precoce de 1,0 s-1 obtivemos uma boa sensibilidade e excelente especificidade para diagnosticar disfunção diastólica.
Outros estudos mostram que o valor médio do strain rate diastólico precoce é de 1,56±0,28 s-1, e tem corroborado o valor de corte de 1,0 s-1. Estes valores, entretanto, sofrem alterações com a faixa etária e o sexo, sendo observada diminuição progressiva do strain rate sistólico e diastólico precoce com a idade.
Em pacientes com doença arterial coronária submetidos a revascularização cirúrgica, o SLG, o strain rate diastólico precoce e a relação entre a velocidade da onda E mitral e o strain rate diastólico precoce (E/SRe) são preditores de todas as causas de mortalidade, especialmente quando a FE está preservada.
STRAIN CIRCUNFERENCIAL E TWISTING: na disfunção diastólica com FE preservada foi observado diminuição do SLG com preservação do strain circunferencial e do twisting. Isso ocorre em razão do SGL representar principalmente a camada muscular subendocárdica, mais suscetível aos efeitos da fibrose intersticial e à hipoperfusão, se alterando de forma precoce, mas com manutenção da função nas camadas médias e subepicárdicas. Portanto, com a perda progressiva da função subendocárdica, predomina a força subepicárdica preservando a rotação apical e, portanto, o twisting, nos pacientes com disfunção diastólica.
STRAIN LONGITUDINAL DO AE: estudos mostram correlação entre a diminuição do strain longitudinal do AE na fase de reservatório (strain máximo) e o aumento da pressão do AE.
Foi evidenciada a correlação entre a relação E/e´ e o strain longitudinal do AE em pacientes com miocardiopatia na fase crônica da infecção por vírus Chikungunya, com diminuição do strain longitudinal do AE relacionado ao aumento da relação E/e´.
Outro estudo com 229 casos, entre os quais controles e pacientes com diversos graus de disfunção diastólica, analisou os volumes do AE e o strain longitudinal do AE e evidenciou que o volume indexado do AE aumentou gradativamente nos diversos graus de disfunção diastólica, mas não separou os pacientes com disfunção diastólica grau 1 daqueles com grau 2. O strain longitudinal do AE na fase de reservatório (strain longitudinal máximo), mostrou diferentes valores de corte para detectar os diversos graus de disfunção diastólica, separando melhor os pacientes.
Em relação às medidas volumétricas, os métodos de deformação se correlacionam melhor com eventos clínicos cardiovasculares do que os métodos volumétricos dinâmicos (função atrial) e estáticos (índice de volume e dimensão do AE), mesmo quando estes dados ainda não se encontram alterados.
O strain do AE se correlaciona com o aumento da pressão de enchimento ventricular e com o volume do AE. Os strains de reservatório e de bomba encontram-se significativamente diminuídos em pacientes com dilatação do AE, sendo parâmetros sensíveis para avaliar a função dessa cavidade. A diminuição do strain se correlaciona com o aumento da pressão e, principalmente, com o aumento do volume do AE, sugerindo estar mais relacionada ao remodelamento atrial.
O strain do AE também contribui para o prognóstico da recorrência de fibrilação atrial (FA) após cardioversão. Na FA, o strain de reservatório do AE foi significativamente menor nos pacientes que evoluíram com acidente vascular cerebral (AVC) em seguimento de 7,9 anos. Os pacientes com FA que não evoluíram para AVC tinham strain de reservatório médio de 18,9% e os que evoluíram com AVC 14,5%.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.