Como parte fundamental do aparato valvar mitral, os músculos papilares atuam de forma ativa na dinâmica funcional desta valva, bem como auxiliam no processo de ejeção durante a sístole ventricular.
Alterações funcionais e/ou anatômicas dessas estruturas podem levar a um espectro amplo de patologias, seja pela insuficiência mitral (IMi) secundária à disfunção isquêmica de músculo papilar (mm. papilar), até quadros dramáticos com choque cardiogênico quando na presença de rupturas.
É verdade, porém, que algumas variações anatômicas podem estar presentes de forma assintomática, sendo muitas vezes não documentadas nos exames ecocardiográficos ou até mesmo passando despercebidas pelo médico examinador.
Acontece que com o advento cada vez maior dos procedimentos de reparo valvar “edge-to-edge”, como Mitraclip, a descrição anatômica dos músculos papilares precisa ser detalhada, sobretudo na presença de variações, mesmo que sem impacto na dinâmica ventricular esquerda.
Tipicamente, pensamos sempre na presença de dois mm. papilares, o anterolateral e posteromedial, através dos quais as cordoalhas tendíneas são projetadas para os folhetos da valva mitral. Estas, por sua, vez, se aderem à região rugosa dos folhetos valvares, poupando a zona central, dita lisa, livre das cordoalhas e região de interesse da cardiologia estrutural para a introdução do MitraClip, por exemplo.


Para revisar a anatomia e classificação das cordoalhas, temos uma postagem sobre esse tema …
Contudo, estudos de autópsias indicam uma ampla variação anatômica e numérica dos músculos papilares, com algumas séries descrevendo presença de mais de dois cumes musculares em números consideráveis de pessoas.
Quanto ao aspecto numérico, várias variações já foram descritas, com o padrão habitual sendo caracterizado pela presença de uma única coluna (cume) muscular para cada músculo papilar.

A presença de mais de uma coluna muscular em paralelo pode ser detectada durante a avaliação ecocardiográfica, variando em quantidade.



Da mesma forma, pode existir uma ampla variedade de alterações morfológicas dos músculos papilares, com os padrões cônicos, truncado, piramidal e em forma de leque já descritos.




Uma variação específica merece destaque em razão da sua implicação relacionada à possíveis complicações/dificuldades técnicas para a realização do reparo valvar mitral “edge-to-edge”.
O chamado músculo papilar acessório intermediário se caracteriza pela presença de mais de dois grupos de músculos papilares e pode ser observado em até 30% da população.

(Li, S. Wang, Left Ventricular Papillary Muscle: Anatomy, Pathophysiology, and Multimodal Evaluation. Diagnostics 2024, 14, 1270)
Nesta situação específica, as cordoalhas tendíneas provenientes deste músculo papilar acessório se direcionam aos folhetos da valva mitral justamente através da “região livre” por onde o dispositivo adentra no ventrículo esquerdo para posterior liberação dos clipes.
Apesar da ampla variação anatômica dos músculos papilares, a presença de um mm. papilar acessório intermediário foi descrito em poucas publicações. Origina-se na parede inferolateral do ventrículo esquerdo ou na região apical e, em ambos os casos, se alinham no plano médio ventricular entre os músculos papilares anterolateral e inferomedial.


A imagem a seguir ilustra bem como essas cordoalhas podem tornar o procedimento bastante desafiador, aumentando o risco “emaranhamento” do clipe. Em A observa-se um clipe medial, fora da zona central livre de cordoalhas, arrodeado por múltipla e ampla rede de cordoalhas.

Já em B, temos um clipe central (seta azul) com uma zona livre de cordoalhas e menor risco de complicação.
Para finalizar, trago um exame que fiz esta semana em um jovem de 18 anos, assintomático, e com o achado sugestivo de músculo papilar acessório intermediário.

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.