Reserva Contrátil em Pacientes Hipertensos: um marcador precoce de disfunção sistólica ?

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença extremamente prevalente e causadora de inúmeras complicações cardiovasculares. A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) é um processo compensatório em resposta ao aumento do estresse parietal na parede miocárdica e à pós-carga elevada.

Embora a HVE seja um mecanismo compensatório que, inicialmente, confere manutenção da capacidade contrátil do coração, à medida em que o estímulo (aumento da pós-carga) permanece, essa adaptação se torna patológica resultando e perda da eficiência cardíaca e, em fases mais tardias, disfunção ventricular sistólica.

A presença de HVE, por sua vez, é um preditor independente de morbilidade cardiovascular e de mortalidade. Contudo, esta lesão de órgão-alvo costuma se apresentar apenas em fases mais tardias da doença, não sendo, portanto, um marcador precoce.

Da mesma forma, a avaliação pela fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) perde em acurácia e sensibilidade quando pensamos em um método diagnóstico precoce de disfunção miocárdica, uma vez que, quanto mais cedo o diagnóstico dessa complicação, maiores são as chances de tratamentos eficazes.

A análise da reserva contrátil do VE já está bem documentada como um marcador precoce de disfunção em diferentes condições patológicas, como estenose aórtica, insuficiência mitral e cardiomiopatia diabética. Seria este parâmetro também útil na avaliação de pacientes hipertensos ???

European Heart Journal of Cardiovascular Imaging (2018)19,1253–1259

Estudo cujo objetivo foi analisar a reserva contrátil do VE em pacientes hipertensos e a relação deste parâmetro com a função sistólica em repouso avaliada pela deformação miocárdica. Foram avaliados 129 pacientes (68 homens, idade média 58.6 ± 9.5 anos, sendo 73 hipertensos) submetidos à ecocardiografia com estresse farmacológico (dobutamina).

Os critérios de exclusão foram (1) obstrução coronária > 50% (o recrutamento ocorreu a partir de pacientes que foram encaminhados para realização de cateterismo), (2) ritmo não sinusal, (3) bloqueio de ramo esquerdo, (4) doença valvar significativa à esquerda , (5) diabetes mellitus, (6) infarto do miocárdio prévio ou passado de revascularização coronária e (6) imagem ecocardiográfica inadequada.

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As análises da FEVE e do strain foram realizadas em repouso e durante a fase de estresse com baixa dose de dobutamina (10 mcg/kg/min ou 20 mcg/kg/min naqueles em uso de betabloqueadores ou inibidores de canal de cálcio não diidropiridínicos).

A reserva contrátil absoluta foi calculada como a diferença entre a FEVE e o strain durante o estresse farmacológico e seus valores correspondentes em repouso. Já a reserva contrátil relativa foi estabelecida como a relação da reserva contrátil absoluta e o seu respectivo valor em repouso. Uma reserva contrátil reduzida foi aquela com valor absoluto ≤ 5%.

Quanto aos parâmetros ecocardiográficos, a espessura diastólica do septo interventricular e da parede posterior foi significativamente maior no grupo de pacientes hipertensos, contudo não houve diferença em relação à FEVE comparando com o grupo controle.

European Heart Journal of Cardiovascular Imaging (2018)19,1253–1259
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Da mesma forma, não houve diferença entre os dois grupos tanto em relação à reservas contráteis absoluta e relativa quando avaliada pela FEVE.

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O strain global longitudinal (SGL) foi significativamente menor no grupo de hipertensos tanto no repouso (-16.8 ± 2.2% x -19.6 ± 1.5%, P < 0.0001) quanto durante o estresse com dobutamina (-17.9 ± 2.7% x -22.8 ± 2.6%, P < 0.0001).

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Enquanto não foi observada diferença significativa do strain circunferencial entre os dois grupo na fase de repouso, este parâmetro se mostrou significativamente reduzido nos pacientes hipertensos no esforço (-23.0 ± 4.1% x -25.2 ± 3.4%, P = 0.002) com baixas doses de dobutamina.

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Não houve diferença do strain radial entre os dois grupos em ambas as fases de repouso e estresse.

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Quando avaliada pelo SGL, a reserva contrátil, tanto absoluta (-1.1 ± 2.1% x -3.2 ± 2.2%, P < 0.001) quanto relativa (7.4 ± 13.9% x 16.4 ± 11.7%, P < 0.001), apresentou redução sigificativa nos pacientes com HAS comparados com o grupo controle de pacientes normotensos.

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Já quando avaliada pelo strain circunferencial e pelo strain radial, a reserva contrátil não mostrou diferença significativa entre os dois grupos.

Dos pacientes hipertensos, 06 apresentaram SGL normal em repouso, contudo com redução significativa quando submetidos à análise durante o esforço farmacológico com dobutamina em baixas doses em relação ao grupo controle (-19.4 ± 2.8% x -22.8 ± 2.6%, P = 0.01). Esses pacientes, ainda, mostraram reserva contrátil reduzida de forma significativa quando comparados com o grupo controle (-1.0 ± 2.8% x -3.2 ± 2.2% e 5.0 ± 5.6% x 16.4 ± 11.7% para a absoluta e a relativa respectivamente, P < 0.001).

Não houve correlação significativa entre as pressões sistólica e diastólica em repouso com a FEVE (tanto em repouso quanto na fase de esforço), bem como não houve nenhuma correlação entre a pressão arterial e a reserva contrátil avaliada pela FEVE.

A espessura diastólica do septo interventricular e da parede posterior demonstrou uma correlação modesta com o SGL em repouso (r = 0.227, P = 0.01 e r = 0.289, P = 0.002, respectivamente) e quando em baixa dose de dobutamina (r = 0.289, P = 0.001 e r = 0.312, P < 0.001, respectivamente).

Da mesma forma, a espessura do septo e da parede posterior também se correlacionou com a reserva contrátil avaliada pelo SGL (r = 0.199, P = 0.024 e r = 0.194, P = 0.028, respectivamente). A espessura diastólica do septo interventricular se correlacionou com a reserva contrátil avaliada pelo strain circunferencial (r = 0285, P = 0.001 para o valor absoluto e r = 0.202, P = 0.025 para o valor relativo).

Houve uma correlação significativa entre a pressão arterial sistólica e o SGL em repouso (r = 0.32, P < 0.001) e durante a fase de estresse (r = 0.33, P < 0.001), sem haver correlação entre a pressão arterial e a reserva contrátil avaliada pelo SGL.

Também houve correlação significativa entre a pressão arterial diastólica e o strain circunferencial em repouso (r = 0.384, P < 0.001) e entre as pressões diastólica e sistólica com o strain circunferencial na fase de esforço (r = 0.283, P = 0.001 e r = 0.239, P = 0.007). O mesmo não foi observado entre a pressão arterial e a reserva contrátil avaliada pelo strain circunferencial.

Portanto, em pacientes hipertensos (em tratamento) sem diabetes ou doença arterial coronária significativa, apesar de uma FEVE normal em repouso, apresentaram disfunção sistólica subclínica documentada pela análise do SGL comparados com pacientes normotensos.

Ainda, esses pacientes hipertensos mostraram uma inabilidade de aumentar a contratilidade miocárdica em resposta ao estímulo inotrópico com dobutamina em baixas doses, evidenciada pela redução do SGL e pela reserva contrátil diminuída.

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