Comunicação Interatrial: além da classificação anatômica

A mais frequente das cardiopatias congênitas no adulto, a comunicação interatrial (CIA), tem maior incidência sobre o sexo feminino (3:1). A dilatação das cavidades direitas observada ao realizar o ecocardiograma convencional em paciente adulto, mesmo assintomático, pode dar pista para esse diagnóstico (*Nota mental: dilatação de câmaras direitas sem alteração que a justifique. Procurar CIA!).

Janela subcostal – CIA tipo ostium secundum

O tipo mais frequente é o ostium secundum, facilmente visualizado desde a posição subcostal, na qual se observam as dimensões do shunt com o mapeamento de fluxo em cores. Formas menos frequentes, como a CIA tipo seio venoso e tipo seio coronário, em geral, são diagnosticadas pela ecocardiografia transesofágica.

Ecocardiograma transesofágico. A – posição bicaval que mostra CIA tipo seio venoso junto à desembocadura da veia cava superior. B – posição transversa alta dos vasos da base, na qual se observa a CIA junto à desembocadura da veia cava superior e fluxo proveniente da veia pulmonar superior direita drenando no átrio esquerdo, o que indica ausência de drenagem anômala.

Como avaliar a CIA no paciente adulto?

Os dados mais relevantes a serem observados em pacientes adultos portadores de CIA são:

Ecocardiograma transesofágico em paciente portador de duas pequenas CIA (setas).

1- Localização e número das comunicações: as comunicações tipo ostium secundum são facilmente diagnosticadas pelo exame transtorácico usando a via subcostal, pois ocupam a região central do septo interatrial.

As CIA tipo ostium primum, associadas a defeito do canal atrioventricular, caracterizam-se pela desproporção entre a via de entrada e a via de saída do ventrículo esquerdo, que pode ser determinada medindo-se a distância entre a ponta do coração e a inserção da cúspide posterior mitral e entre a ponta do coração e a junção septoaórtica.

Essas dimensões são aproximadamente iguais no indivíduo normal, sendo a via de saída maior que a via de entrada quando há defeito do canal atrioventricular. Outra associação frequente é a fenda (cleft) da cúspide anterior da valva mitral.

ESQUERDA – corte paresternal longitudinal em paciente portador de defeito do canal atrioventricular, que mostra a desproporção entre a via de entrada e via de saída do ventrículo esquerdo. DIREITA – corte paraesternal transversal ao nível da valva mitral mostrando cleft da cúspide anterior em paciente com defeito do canal atrioventricular.

2- Tamanho da CIA: torna-se importante aferir corretamente as dimensões do defeito, principalmente para o correto planejamento terapêutico. Quando se pensa em tratamento percutâneo (prótese do tipo Amplatzer), utiliza-se o estudo transesofágico para determinar as dimensões das bordas do defeito necessárias para a ancoragem do dispositivo. Em geral, as bordas devem ser maior que 5-7 mm e o diâmetro da comunicação, obtido com o auxílio do balão inflável, é denominado “diâmetro estirado” (serve para determinar o tamanho do dispositivo).

Ecocardiograma transesofágico em paciente portador de CIA tipo ostium secundum. Na posição bicaval são realizadas as medidas das bordas do defeto (a e b) e seu tamanho (c).
Shunt com fluxo D-E (Eisenmenger)

3 – Repercussão da CIA: no adulto, as comunicações estão associadas à sobrecarga das cavidades direitas. A dilatação das cavidades, associada a esta sobrecarga, pode provocar diversos graus de regurgitação valvar tricúspide.

O hiperfluxo pulmonar por tempo prolongado provoca elevação da pressão pulmonar, com graus variáveis e hipertensão, que deve ser aferida pela avaliação do refluxo tricúspide ou pelo tempo de aceleração do fluxo pulmonar.

As CIA não tratadas podem desenvolver hipertensão aterial pulmonar importante, com inversão do shunt e aparecimento de cianose, denominada Síndrome de Eisenmeger (em geral, a correção cirúrgica ou intervencionista depende do grau da hipertensão pulmonar e da utilização de provas de vasodilatação ateriolar pulmonar. Casos não responsivos são, em geral, inoperáveis).

*Nota pessoal: ao iniciar um exame de paciente com suspeita de CIA, deve-se ficar atento a detalhes que podem ajudar a definir o diagnóstico.

No corte paraesternal longitudinal, é importante observar se há o aumento do ventrículo direito, bem como a retificação do septo interventricular, que podem significar sobrecarga volumétrica e pressórica de câmaras direitas.

Janela paraesternal eixo curto com shunt E-D

No eixo curto, por sua vez, vale avaliar cuidadosamente o fluxo pulmonar (velocidade > 1,2 m/s indica hiperfluxo pulmonar), bem como os diâmetros do tronco da artéria pulmonar e de seus ramos direito e esquerdo (quando dilatados, pode indicar hipertensão pulmonar significativa). Ainda na janela paraesternal transversal, deve-se avaliar o septo interatrial.

Em alguns casos de CIA ostium secundum é possível indentificar a presença de shunt, bem como avaliar o tamanho do defeito, na janela Apical 4C, embora a janela subcostal seja sabidamente o melhor corte para fazer esta avaliação.

CIA ostium secundum com shunt E-D visto pela janela Apical 4C
CIA ostium secundum vista pela janela Apical 4C

CIA ositum secundum 0,48 cm

A análise do fluxo e do tamanho da CIA idealmente deve ser realizada na janela subcostal (nos casos de CIA ostium secundum). É importante lembrar de realizar o Qp/Qs, outro importante parâmetro de repercussão hemodinâmica.

Shunt D- E
Janela Subcostal

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Adoilson Leonardo

Parabéns pela excelente explicação

Sonia Helena Salvaterra Garcia

Que exame preciso fazer para detectar se tenho forame ?

Dilzieny Oliveira

Minha filha tem 8 meses, é portadora de síndrome de down com Cardiopatia congênita, diagnosticada com CIA do tipo ostium secundun. Li a matéria e achei de uma clareza para entendimento excepcional. As figuras animadas são incríveis. Entendi a leitura e me esclareceu muitas dúvidas. Obrigada e parabéns.

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