Tethering e Tenting – definições e aplicações clínicas

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Tethering e Tenting são terminologias frequentemente utilizadas nos artigos de ecocardiografia. Traduzindo-as individual e respectivamente teríamos “amarração” e “tenda”. Mas, será que a tradução se adequa ao nosso estudo?

Busquemos a resposta.

Já de cara, pela tradução mais simples e direta (ao pé da letra) e fazendo uma analogia entre a figura da barraca de camping acima e uma valva mitral, podemos correlacionar essas “amarrações” da barraca com o aparelho subvalvar – cordoalhas e músculos papilares. Já a tenda em si, ou mais precisamente o teto dela, se associa às cúspides fechadas durante a sístole ventricular. Então, Tethering faz referência às forças de repuxamento exercidas pelas cordoalhas e músculos papilares. Já o termo Tenting, se correlaciona com o formato de cúpula ou telhado adquirido pelas cúspides, como resultado do repuxamento ou tethering, o qual ocorre em algumas situações especiais.

Numa valva normofuncionante as forças de fechamento estão em equilíbrio com as forças de tethering. Ou seja, com a função sistólica e dimensões do VE preservadas, todo aquele volume intracavitário ventricular ao final da diástole será fortemente espremido, o que forçará a abertura da valva aórtica e fechamento da valva mitral – essa é a força de fechamento que concorre com as forças de tethering que ao mesmo tempo puxam o aparelho valvar no sentido apical. Observe a figura esquemática:

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Figura 1: vide referência 2

Na insuficiência mitral secundária, as cúspides são morfologicamente normais, mas são repuxadas devido ao remodelamento do VE e deslocamento do músculo papilar (figura 2):

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Figura 2: vide referência 2

Isso pode acontecer tanto na cardiomiopatia dilatada não isquêmica quanto na cardiomiopatia isquêmica.  Existem dois padrões de tethering: simétrico (tethering predominantemente apical) e assimétrico (tethering predominantemente posterior). Notemos que, no cenário da doença isquêmica, mesmo que apenas o músculo papilar póstero-medial seja acometido, o tethering se dá tanto na cúspide anterior quanto na posterior, uma vez que cada músculo papilar na anatomia da valva mitral envia cordoalhas para ambas as cúspides (figura 3):

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Figura 3: vide referência 4

Temos diversas publicações correlacionando achados de área, altura ou ângulos do tenting com o prognóstico pós-valvoplastia cirúrgica ou intervenção com mitraClip, mas encontrar a definição por parâmetros ecocardiográficos objetivos não é uma tarefa fácil. Segue uma tabela com sugestão desses valores de referência entre população sadia e cardiopatas:

Tabela 1. Vide referência 5

Tentativas de usar a quantificação para o planejamento das intervenções formam feitas com ecocardiografia 2D e 3D.

Os pontos de corte mais comumente usados para determinar alto grau de tethering da valva mitral, portanto, alto risco de falha do reparo valvar são os seguintes: ângulo da cúspide posterior >45º, ângulo da cúspide anterior >25º, área do tenting ≥2,5cm2 e altura do tenting ≥11mm:

   Figura 4: vide referência 3

Zhenyi Ge et al (abril de 2021) identificaram, após análise multivariada, que o volume do tenting foi o maior fator determinante de regurgitação residual após procedimentos hemodinâmicos do tipo MitraClip, caracterizando um ponto de corte de 0,82ml/m2 como preditor de maior regurgitação, e pacientes com valores acima deste parâmetro têm maiores chances para desenvolver regurgitação de grau moderado a severo ou necessidade de procedimento cirúrgico, em curto tempo de seguimento. O volume do tenting pode ser obtido através da Ecocardiografia 3D. O índice de altura do tenting (2,37mm/m2) também teve associação a pior prognóstico, após análise univariada.

A intervenção valvar mitral utilizando o sistema MitraClip tem mudado o cenário para o tratamento da regurgitação mitral grave sintomática e o entendimento desse fenômeno de remodelamento ventricular, responsável pelo tethering e consequente tenting, são de fundamental importância para melhor decisão clínica.

Referências:

  1. Zhenyi Ge et al. Impact of Leaflet Tethering on Residual Regurgitation in Patients With Degenerative Mitral Disease After Interventional Edge-to-Edge Repair. Zhenyi Ge1,.   Cardiovasc. Med., 29 April 2021 https://doi.org/10.3389/fcvm.2021.647701
  2. Dal-Bianco JP, Aikawa E, Bischoff J, et al. Active adaptation of the tethered mitral valve: insights into a compensatory mechanism for functional mitral regurgitation. Circulation. 2009;120(4):334-342. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.108.846782
  3. Romain Capoulade et al. Multimodality imaging assessment of mitral valve anatomy in planning for mitral valve repair in secondary mitral regurgitation. Journal of Thoracic Disease. Vol 9, Supplement 7 (June 2017): doi: 10.21037/jtd.2017.06.99/
  4. Regurgitação Mitral Isquémica – Uma abordagem multidisciplinar. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt
  5. Alex Pui-Wai Lee et al. Mechanisms of Recurrent Functional Mitral Regurgitation After Mitral Valve Repair in Nonischemic Dilated Cardiomyopathy: Importance of Distal Anterior Leaflet Tethering. Circulation. 2009;119:2606-2614.
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Jose

Excelente abordagem sobre um tema ainda polêmico. Muito bom

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