Já vimos aqui algumas postagens sobre as aplicações práticas do trabalho miocárdico, um recurso avançado da ecocardiografia que incorpora a variável pós-carga na análise da eficiência mecânica do ventrículo esquerdo (VE).
Trago hoje um artigo sobre trabalho miocárdico em pacientes com estenose mitral (EMi) reumática importante e fração de ejeção do VE preservada.
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Foram avaliados, de forma retrospectiva, 45 pacientes com EMi reumática importante (área valvar < 1,5 cm²) sintomática e isolada, com fração de ejeção do VE preservada (> 50%) e em ritmo sinusal. O grupo controle foi composto por indivíduos sadios e sem doença cardíaca estrutural.
Os critérios de exclusão foram: (1) imagens ecocardiográficas subótimas, (2) regurgitação mitral significativa, (3) doença valvar aórtica, (4) doença arterial coronária, (5) shunt intracardíaco, (6) fibrilação atrial no momento da realização do ecocardiograma e (7) presença de fatores de risco cardiovascular ateroscleróticos. Pacientes com EMi importante associada a insuficiência mitral (IMi) ou aórtica (IAo) leves não foram excluídos.
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Um total de 45 pacientes com EMi reumática importante (idade 39.8 ± 9.8 anos) preencheram os critério de inclusão e foram comparados com outros 45 indivíduos saudáveis (idade 29.7 ± 11.2 anos).
Pacientes do grupo EMi eram predominantemente mulheres (73%) e tinham uma superfície corpórea significativamente menor em relação ao grupo controle, além de uma frequência cardíaca de repouso mais elevada. O índice de massa e as pressões sistólica e diastólica foram semelhantes entre os grupos.
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Pacientes do grupo da EMi tinham um tamanho do átrio esquerdo maior, contudo a fração de ejeção do VE foi semelhante entre os dois grupos. Em 84,5% dos pacientes com EMi a área valvar era < 1,0 cm² e gradiente médio > 10 mmHg foi observado em 78% dos pacientes. Os parâmetros de função diastólica se mostraram significativamente alterados neste grupo, com relação E/e´ média bem mais alta (53 ± 21.2) quando comparada com o grupo controle (6 ± 1.4).
Quanto ao strain global longitudinal (SGL), os pacientes com EMi apresentaram valores reduzidos em relação ao grupo controle (14.1 ± 3.2% vs. 19.0 ± 1.8%, respectivamente).
Em relação à análise do trabalho miocárdico, o GWI (1,343 ± 418 vs. 1,769 ± 297 mmHg%, p ≤ 0.001) e o GCW (1,827 ± 488 vs. 2,105 ± 336 mmHg%, p = 0.002) foram inferiores aos do grupo controle. Como esperado, o trabalho desconstrutivo foi maior entre os pacientes com EMi (205 ± 92 vs. 75 ± 33 mmHg%, p ≤ 0.001).
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Em relação ao grupo controle, a eficiência miocárdica do VE foi inferior nos pacientes com EMi (89 ± 4% vs 96 ± 2%, p < 0.001), mesmo com fração de ejeção do VE semelhantes.
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A disfunção sistólica do VE nos pacientes com EMi já é bem documentada. Fatores como redução do enchimento ventricular, inflamação persistente do miocárdio, acometimento do aparato subvalvar da valva mitral, redução da complacência ventricular esquerda com disfunção diastólica, aumento da pós-carga e hipertensão pulmonar fazem parte de todo um espectro de alterações hemodinâmicas e estruturais presentes nestes pacientes.
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Como sabemos, a função sistólica do VE é um parâmetro prognóstico na estenose mitral reumática. Contudo, a avaliação desta parâmetro pela fração de ejeção sofre influência, por exemplo, da pós-carga, e comumente se mostra alterado apenas em fases mais avançadas da doença. Além disso, pode haver uma variabilidade interobservador que não deve ser menosprezada.
O SGL já uma ferramenta amplamente utilizada para detectar disfunção subclínica, ou seja, em fases mais precoces da doença em que a fração de ejeção ainda está dentro dos valores de normalidade. Contudo, da mesma forma, sofre também influência do fator pós-carga.
Seria o trabalho miocárdico, portanto, uma ferramenta auxiliar na identificação de pacientes com pior prognóstico e maior risco de eventos adversos no contexto da EMi reumática? Vamos aguardar novos estudos…
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.