Uma diagnóstico acurado e uma intervenção efetiva são elementos cruciais para a prevenção de eventos adversos cardíacos nos pacientes com doença arterial coronária (DAC) significativa. Apesar de vários testes diagnósticos não invasivos serem empregados na avaliação da DAC, um diagnóstico preciso ainda pode ser um desafio nos pacientes com angina.
A combinação de ecocardiografia com estresse utilizando contraste e a avaliação de déficit contrátil segmentar tem sido utilizada de uma forma geral para a investigação de DAC, contudo ainda assim com um componente de subjetividade significativo. A utilização do strain durante o teste de esforço confere um componente objetivo para a detecção de DAC. É verdade, porém, que o strain é dependente da pós-carga, parâmetro este frequentemente elevado durante o esforço físico.
Uma pós-carga elevada leva a uma redução do strain global longitudinal (SGL), subestimando a verdadeira função contrátil do miocárdio.
Desta maneira, o emprego da técnica do trabalho miocárdico, cuja variável pós-carga é incorporada pela pressão arterial sistólica (PAS) aferida na artéria braquial, pode ser uma estratégia muito útil para a investigação de DAC.

Estudo com 85 pacientes com quadro de angina pectoris e com alguma evidência de isquemia miocárdica ou estenose coronária, e que já seriam submetidos a angiocoronariografia após avaliação ecocardiográfica com estresse físico.
Os critérios de exclusão foram (1) histórico de DAC já documentada, (2) déficit contrátil segmentar no exame de repouso, (3) fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) < 50%, (4) doença valvar significativa, (5) cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva, (6) fibrilação atrial ou (7) bloqueio de ramo esquerdo.
Todos os pacientes realizaram ecocardiograma convencional associado a ecocardiograma com estresse físico (esteira ergométrica sob protocolo de Bruce) associado às técnicas de strain e trabalho miocárdico, bem como cateterismo cardíaco. As análises foram feitas em repouso, pico de esforço (imediatamente após o pico do exercício físico) e durante a fase de recuperação (03 minutos após o pico do esforço).
Do total de participantes, 25 tiveram ecocardiograma com estrese físico positivo para isquemia, enquanto que DAC significativa (estenose ≥ 70% ou ≥ 50% no tronco da coronária esquerda) foi documentada em 41 pacientes, sendo os demais 44 participantes classificados como portadores de DAC não significativa.
Não houve diferenças em relação a idade, gênero, superfície corpórea, padrão de dominância coronária e da pressão arterial entre os pacientes com DAC significativa e aqueles com DAC não significativa.


Os pacientes do grupo com DAC significativa apresentaram maior incidência de déficit contrátil segmentar durante o pico do esforço (P = 0.019), não havendo diferenças significativas em relação aos outros parâmetros da ecocardiografia convencional.

Já em relação ao strain, o SGL durante o pico de esforço foi significativamente menor nos pacientes com DAC significativa comparados com os participantes do outro grupo (P < 0.05). Ainda durante o pico do esforço, os parâmetros de trabalho miocárdico (GWI, GCW, GWW e GWE) apresentaram diferenças significativas entre os dois grupos (P < 0.05 para todos).

Foram observados também maiores valores de trabalho desconstrutivo durante a fase de recuperação, bem como menores valores de GWE nos pacientes com DAC significativa (P < 0.001). Porém, não houve diferenças nos parâmetros de trabalho miocárdico na análise em repouso entre os pacientes com e sem DAC significativa.
Os valores do GWI (r = -0.540), GCW (r = -0.532), GWW (r = -0.502) e GWE (r = -633) durante o pico do esforço apresentaram boa correlação com o SGL (P <0.01 para todos), porém uma correlação fraca com a análise da contratilidade segmentar (r = 0.005, 0.050, 0.189 e -0.165, respectivamente).

Ainda, o trabalho desconstrutivo na fase de recuperação mostrou uma excelente correlação com a eficiência global, também na fase de recuperação (r = -0.854, P<0.1).
Na análise de regressão univariada, as seguintes variáveis se associaram com DAC significativa: (1) índice de massa corpórea, (2) hipertensão, (3) dislipidemia, (4) uso de beta-bloqueador, (5) déficit contrátil durante a fase de pico, (6) SGL na fase de pico, (7) GWI na fase de pico, (8) GWW na fase de pico, (9) GWE na fase de pico, (10) GWE durante a recuperação.
Já na análise de multivariáveis, o GWE de pico (OR = 0.757, P < 0.01) e o trabalho desconstrutivo durante a recuperação (OR = 1.009, P < 0.05) se associaram à DAC significativa.

A variável GWE durante o pico de esforço apresentou maior AUC (AUC = 0.836) para a detecção de DAC significativa comparando com FEVE na fase de pico, índice de alteração da contratilidade segmentar na fase de pico, SGL de pico e todos os outros parâmetros de trabalho miocárdico.

De acordo com esses resultados, um novo modelo englobando o GWE durante o pico do esforço e o GWW durante a fase de recuperação apresentou a maior capacidade discriminatória (AUC = 0.856) para a detecção de DAC significativa.
Baseando neste novo modelo, um nomograma (dispositivo gráfico que implementa um modelo de regressão de forma intuitiva, permitindo que o usuário relacione covariáveis específicas do sujeito à probabilidade de um evento) foi desenvolvido para o cálculo da probabilidade de DAC significativa.

25 pacientes apresentaram o ecocardiograma com estresse positivo para isquemia, contudo essa análise convencional foi capaz de detectar apenas 17 pacientes com DAC significativa. Quando levado em consideração o GWE na fase de pico do esforço, o método foi capaz de detectar 31 pacientes com DAC significativa.

Comparando estes dois parâmetros temos:
Variáveis | Índice de Alt Contrátil | GWE pico esforço |
Sensibilidade | 41% | 76% |
Especificidade | 82% | 84% |
Valor Preditivo Positivo | 68% | 81,6% |
Valor Preditivo Negativo | 60% | 78,7% |
Em 03 casos de DAC significativa foram observados déficit contrátil segmentar com GWE normal durante a fase de esforço.
Pode-se notar, portanto, que a utilização do trabalho miocárdico é uma estratégia diagnóstica efetiva em associação ao ecocardiograma com estresse físico.

Ainda, a utilização do nomograma pode facilitar a interpretação dos achados e se tornar uma ferramenta adicional interessante na descrição ecocardiográfica.



Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.