Pseudodiscinesia Inferior: mais um confundidor da ecocardiografia

Há algumas postagens atrás falei um pouco sobre o segmental early relaxation phenomenon SARP, um achado que pode induzir ao erro na avaliação da contratilidade segmentar durante a ecocardiografia com estresse. Hoje vamos falar sobre um outro potencial confundidor que é a pseudodiscinesia da parede inferior.

A discinesia é caracterizada por um movimento para fora de algum segmento ventricular durante a sístole. Contudo, na prática, podemos observar alguns movimentos anormais do músculo cardíaco que podem ser semelhantes, levando ao falso diagnóstico de discinesia.

Uma dessas alterações é a pseudodiscinesia da parede inferior que se apresenta como um achatamento diastólico da parede inferior do ventrículo esquerdo, observado no eixo curto, e que, durante a sístole, volta à sua geometria normal fazendo com que o ventrículo esquerdo (VE) assuma o formato arredondado habitual.

Na verdade, o que acontece nestas situações é uma compressão extrínseca da parede inferior do VE pelo diafragma e, portanto, não representa uma alteração isquêmica.

Em estudo que avaliou a presença deste achado e o comparou com pacientes que tinham déficit segmentar na parede inferior comprovadamente por infarto miocárdico, bem como com pacientes sem déficit segmentar, alguns achados foram observados.

J Am Soc Echocardiogr 2007;20:1374-1379

No grupo controle, o formato do ventrículo esquerdo se mostrou circular (janela paraesternal eixo curto) tanto durante a diástole quanto durante a sístole. Nos pacientes com pseudiscinesia, por sua vez, a cavidade ventricular esquerda apresentou um formato não circular na diástole final, em razão da compressão extrínseca, porém assumiu a geometria habitual durante a sístole.

J Am Soc Echocardiogr 2007;20:1374-1379

Neste estudo, não foram observadas diferenças na espessura diastólica da parede inferior entre os pacientes com pseudodiscinesia e aqueles sem alterações da contratilidade segmentar, porém esta medida foi significativamente maior entre estes dois grupos na comparação com os pacientes com infarto inferior.

J Am Soc Echocardiogr 2007;20:1374-1379

O estudo também avaliou a radiografia de tórax de uma grande parte dos participantes e observou-se que a prevalência de elevação da cúpula diafragmática esquerda no grupo controle foi de apenas 7% e de 10% no grupo de pacientes com infarto inferior prévio, enquanto que no grupo dos pacientes com pseudodiscinesia, a prevalência foi de 78%.

J Am Soc Echocardiogr 2007;20:1374-1379

Portanto, em condições em que há aumento da pressão intra-abdominal, como na obesidade, a elevação de cúpula diafragmática esquerda pode levar a uma compressão extrínseca da parede inferior do ventrículo esquerdo, fazendo com que esta cavidade assuma uma geometria mais achatada durante a diástole, gerando confusão em relação à contratilidade segmentar desta região.

Em outro estudo, também comparando pacientes com pseudiscinesia inferior, infarto inferior prévio e grupo controle sem alteração segmentar, foi avaliada a aplicação da análise do strain através da técnica de speckle tracking para a diferenciar a pseudodiscinesia de infarto.

363 A.Kataokaetal. / International JournalofCardiology152(2011)

A pseudiscinesia foi considerada na presença achatamento diastólico da parede inferior pelo diafragma com pelo menos dois pontos de flexão, retorno ao formato arredondado habitual do VE avaliado no eixo curto ao nível dos músculos papilares em indivíduos com ausência de eventos cardíacos prévios, dor torácica ou evidência clínica de isquemia, eletrocardiograma de repouso sem alterações e, quando disponível, com angiografia coronária normal.

363 A.Kataokaetal. / International JournalofCardiology152(2011)

O strain radial da parede inferior foi significativamente menor no grupo de pacientes com infarto inferior prévio (16.8 ± 8.4%), não havendo diferença significativa entre os pacientes com pseudodiscinesia (23.1 ± 6.0%) e aqueles sem déficit contrátil segmentar (22.7 ± 7.1%).

Os valores do strain longitudinal nos segmentos médio e apical da parede inferior também foram significativamente menores no grupo isquêmico (segmento médio: 11.4 ± 4.0%, segmento apical: 15.2 ± 5.4%) quando comparado com os valores do grupo com pseudodiscinesia (segmento médio: 18.4 ± 3.4%, segmento apical: 21.1 ± 6.0%) e sem déficit contrátil (segmento médio: 15.8 ± 5.9%, segmento apical: 21.2 ± 5.5%).

363 A.Kataokaetal. / International JournalofCardiology152(2011)

O strain circunferencial também foi menor no grupo com infarto prévio (11.8 ± 8.0%) comparado com os outros dois grupos (pseudiscinesia: 20.8 ± 6.5%, sem déficit contrátil: 21.5 ± 4.3%).

O ponto de corte considerado ideal para diferenciar pseudodiscinesia de infarto inferior foi >19% (sensibilidade 84.2% e especificidade 94.7%) para o strain radial, > 15% (sensibilidade 89.4%, especificidade 52.6%) para o strain circunferencial e > 15% (sensibilidade 73.6%, especificidade 100%) para o strain longitudinal.

363 A.Kataokaetal. / International JournalofCardiology152(2011)

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