Na estenose mitral (EMi) a função ventricular esquerda avaliada pela fração de ejeção (FE) costuma ser normal, porém estudos com strain cardíaco tem demonstrado a presença de disfunção subclínica.
Em estudo com 50 pacientes portadores de EMi moderada ou importante, foram avaliados o strain e o strain rate longitudinal do ventrículo esquerdo (VE) comparando os resultados com parâmetros de indivíduos sadios.

Os achados documentaram significativa redução do strain global longitudinal (EMi – 12,77% ± 1,4% x Controle – 18,6% ± 2,82%) e do strain rate (EMi – 1,02 ± ,030s x Controle – 1,25 ± 0,34s) nos pacientes com doença mitral. Quando comparados com gradientes valvares e, principalmente, com a área mitral, o strain longitudinal global (SGL) e o strain rate longitudinal global mostraram significativa correlação pelo coeficiente de Pearson (r = 0,40, P = 0.001 para a área mitral x SGL).

Aqui um exemplo de um paciente com EMi importante e trombo no apêndice atrial esquerdo, com área mitral pelo ecocardiograma tridimensional 1,01 cm², gradiente médio 13 mmHg, volume indexado do átrio esquerdo (AE) 87 ml/m², FE do VE 51%, gradiente do refluxo tricúspide de 35 mmHg.

Um aspecto importante na EMi é observar o strain longitudinal do AE, pois sua diminuição apresenta valor preditivo para a ocorrência de fibrilação atrial (FA).
Um estudo analisando 101 pacientes assintomáticos com EMi, comparados com 70 indivíduos sadios e com seguimento de 04 anos, evidenciou que o strain e o strain rate de reservatório eram significativamente menores nos pacientes com valvopatia (15,2 ± 5,3% x 38,7 ± 6,6% e 0,82 ± 0,18s x 2,47 ± 0,55 s, respectivamente).


Entre os valvopatas, o strain longitudinal era significativamente menor nos que evoluíam com FA (16,5 ± 5% x 21 ± 4%) e o strain rate não foi significativo. Na análise univariada para verificar o valor preditivo para a ocorrência de FA, o volume atrial e, principalmente, o strain longitudinal do AE apresentaram significância estatística.

A análise multivariada mostrou que apenas o strain longitudinal do AE apresentava valor preditivo para a ocorrência de FA.

Segundo Hauser et al., o strain de reservatório < 23% é preditor de ocorrência de FA na população geral. O risco de FA para strain longitudinal do VE entre 19% e 23% é de 4,16 vezes e para o strain do AE entre 15% e 19% é de 6,58 vezes. Já para strain < 15% o risco de ocorrência de FA aumenta para 22,14 vezes.



Em pacientes submetidos a valvotomia mitral por balão há rápida melhora do SGL e do strain circunferencial após o procedimento. O aumento significativo do SGL ocorre já nas primeiras 24 horas após o procedimento, com maior recuperação após 03 meses.


Essa rápida melhora é atribuída à correção da obstrução diastólica provocada pela estenose, com aumento do volume atrial, do gradiente pressórico transmitral, além da diminuição do volume diastólico do VE, principais responsáveis pela disfunção ventricular.
A dificuldade do enchimento da cavidade ventricular se manifesta pela perda dos vórtices que se formam no VE durante a diástole. A abertura por balão da valva mitral reestabelece esses vórtices de enchimento, melhorando imediatamente a função sistólica.

doi:10.1093/ehjci/jev157

doi:10.1093/ehjci/jev157
Alguns estudos concluem, inclusive, que a disfunção sistólica do VE na estenose mitral não seria devido a alterações estruturais do miocárdio, senão à dificuldade de enchimento da cavidade.

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.