A endomiocardiofibrose (ou Doença de Davies) é a cardiomiopatia restritiva mais prevalente no mundo, afetando cerca de 10 a 12 milhões de pessoas. Considerada uma cardiopatia negligenciada, continua a ter grande prevalência na África Equatorial, onde representa até 20% das causas de insuficiência cardíaca (IC) e até 25% dos óbitos totais por IC. Também é endêmica no Brasil (sobretudo na região nordeste), Venezuela, Colômbia e no sul da Índia.
A endomiocardiofibrose (EMF) acomete preferencialmente jovens, embora tenha uma distribuição variável nas diferentes regiões onde é prevalente. No Brasil, por exemplo, há predileção por adultos jovens do sexo feminino (proporção 5:1), enquanto que na Nigéria há predomínio no sexo masculino (proporção 2:1). Em Uganda e Moçambique, por sua vez, tem sido observado pico bimodal nas idades de 10 e 30 anos. O que chama atenção, entretanto, é que a maioria dos pacientes tem baixo nível socioeconômico e muitos sofreram carência nutricional.
Embora a etnia e carência alimentar sejam uma das possíveis causas, a EMF continua sendo considerada uma doença de etiologia desconhecida. A teoria mais aceita é a de hipereosinofilia, propondo que a doença de Loeffler e a EMF pertençam a um mesmo processo etiopatogênico originado a partir da degranulação dos eosinófilos, com liberação de suas proteínas tóxicas para o endocárdio e o miocárdio (fase necrótica), levando posteriormente à formação de trombos intraventriculares (fase trombótica), seguida, finalmente, pela fase tardia com a organização dos trombos em fibrose (fase fibrótica).
Caracterizada pela deposição de tecido fibroso no subendocárdio, que penetra de forma irregular no miocárdio subjacente do ápice e via de entrada, de um ou ambos os ventrículos, poupando a via de saída dos mesmos. O comprometimento do aparelho subvalvar e dos músculos papilares, e o espessamento e encurtamento das cordas tendíneas, levam aos refluxos atrioventriculares, geralmente com folhetos valvares preservados.
Em relação ao acometimento ventricular, estudo realizado no InCor com 160 pacientes, mostrou comprometimento biventricular em 81 deles (50,6%), do ventrículo esquerdo em 51 (31,9%) e do ventrículo direito em 28 (17,5%).
O ecocardiograma é considerado um método não invasivo de primeira linha para o diagnóstico dessa doença (facilmente disponível e de baixo custo). Os achados mais significativos são obliteração de um ou ambos os ápices com função sistólica preservada (fases iniciais da doença), volume atrial geralmente aumentado e volume ventricular normal (ou reduzido). O refluxo das valvas atrioventriculares por comprometimento do aparelho subvalvar (e até mesmo por adesão do folheto ao endocárdio) é outro sinal comum de ser visualizado e leva a refluxos excêntricos.
É comum a presença de derrame pericárdico, embora raramente seja de grau importante ou resulte em tamponamento cardíaco.
A disfunção diastólica é a principal responsável pela gênese da insuficiência cardíaca e depende da extensão da fibrose e do grau do refluxo mitral.
Pode-se observar também o sinal de Merlon, caracterizado por hipermotilidade da base ventricular com o ápice normocinético (ocorre por mecanismo compensatório). Outro achado comum é a presença de trombo ventricular, especialmente recobrindo a fibrose apical.
A ressonância magnética cardíaca, além de confirmar os achados ecocardiográficos, tem papel importante na quantificação da fibrose miocárdica. Estudo realizado no InCor com 36% com EMF mostrou que aqueles com volume de fibrose superior a 19 ml/m² apresentam risco relativo de mortalidade maior em 10,8 vezes.
Em paciente em classe funcional III/IV (NYHA), o tratamento cirúrgico é indicado. Os fatores de prognóstico reservado são a classe funcional, comprometimento importante do VD (insuficiência cardíaca direita) ou biventricular, regurgitação mitral e/ou tricúspide importantes, fibrilação atrial em pacientes clínicos, presença de ascite e queda da %VO2 predito <53%.
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Parabéns!Brilhante como sempre!
Merlon seria semelhante ao MacConnel do VD?
minha mãe teve essa patologia,passou por uma cirúrgica cardíaca no Instituto nacional de cardiologia em Laranjeiras RJ,em 2000 onde fez uma plastia na valva mitral e raspagem do V.E ,em 2003 sem sucesso teve que fazer uma nova cirurgia, onde fez a troca da valva mitral pra uma metálica,onde teve bastante qualidade de vida ,em 2018 teve diversas complicações,fez implante de marcapasso,ficou renal crônica,em março de 2021 fez sua passagem ,Descansou,mas conviveu com a patologia 33 anos assim que descobriu.
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