A miocardiopatia periparto é uma condição cardíaca rara, idiopática, que comumente se apresenta como uma cardiopatia dilatada e com disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (FE < 45%).
A European Society of Cardiology (ESC) a define como insuficiência cardíaca que ocorre no final da gestação ou nos primeiros meses do puerpério, sem outra causa que justifique a disfunção cardíaca.
Esta definição não cita períodos específicos como critério (“último mês de gestação até o quinto mês do puerpério”, por exemplo) porque observou-se uma proporção considerável de pacientes que preenchem o critério para miocardiopatia periparto, porém com sintomas iniciando antes da 36a semana de gestação.
Os principais fatores de risco para esta condição são raça negra, idade gestacional avançada, pré eclâmpsia e gestação múltipla. Em aproximadamente metade (ou até mais) dos casos há recuperação da função sistólica do ventrículo esquerdo – VE (FE > ou igual 50%) dentre os primeiros 6 meses pós parto, contudo algumas pacientes podem evoluir com cronicidade da doença, necessitando, em poucos casos, de suporte de assistência ventricular (1.5%) e transplante cardíaco (0.5%).
Diante disso, é fundamental que o ecocardiografista tenha conhecimento das alterações cardíacas que se relacionam com pior prognóstico.
Como já dito, conceitualmente há disfunção sistólica do VE com FE <45% e na maioria das vezes (mas nem sempre), dilatação do desta cavidade. Aqui vai a primeira informação com impacto prognóstico. Quando maior a dilatação no momento do diagnóstico, menor a chance de recuperação.
Portanto, FE < 30% e diâmetro diastólico do VE > 60 mm são indicativos de pior prognóstico, com menor chance de melhora da função ventricular esquerda e maior probabilidade de necessidade de dispositivo de assistência ventricular, transplante, além de maior mortalidade.
O acometimento do ventrículo direito (pode estar presente em até 50% dos casos) também se associa a taxas menores de recuperação. Aqui, alguns detalhes merecem atenção: a análise da função sistólica do ventrículo esquerdo que teve valor comprovado como preditor prognóstico se deu pelo FAC. Tanto o Strain Global Longitudinal do VD, o Strain da parede livre do VD e a medida pelo TAPSE não foram, de forma independente, associados à desfechos desfavoráveis (Circulation: Heart FailureVolume 9, Issue 5, May 2016).
Outras alterações possíveis, ao ecocardiograma, são aumento atrial, regurgitação valvar mitral e/ou tricúspide e hipertensão pulmonar. Todas, contudo, sem impacto prognóstico.
Além das alterações que indicam pior prognóstico, devemos ficar atentos às possíveis complicações. Dentre elas, o tromboembolismo parece ser a mais comum (6.6%) e o mecanismo cardioembólico se justifica pela disfunção significativa do VE, bem como por presença de alterações da contratilidade segmentar (associado ao estado de hipercoagulabilidade íntrinseco da gestação). É possível observar, em algumas séries de estudo, a incidência de trombos no ventrículo direito.
Por outro lado, quando associado a quadros hipertensivos, a miocardiopatia periparto parece ter outro fenótipo de apresentação. Foi observado, nesses casos, taxas maiores de recuperação da função ventricular esquerda, além de diâmetros cavitários menores. Contudo, alguns estudos demonstraram um maior risco de morte e de rehospitalização por insuficiência cardíaca nas pacientes com doenças hipertensivas gestacionais associada a miocardiopatia periparto.
O aconselhamento pós natal deve ser sempre individualizado e realizado por uma equipe multiprofissional, com diferentes especialidades médicas envolvidas. Caso a paciente opte por uma nova gestação mesmo após um episódio de miocardiopatia periparto, recomenda-se rastreio ecocardiográfico durante todo o período gestacional.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
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