A presença de inversão de padrão do Doppler tissular (TDI) mitral, em que a onda e´ septal passar a ser maior que a onda e´ lateral – fenômeno este chamado de annulus reversus, é um achado positivo para o diagnóstico de pericardite constritiva.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/Captura-de-Tela-2023-03-09-as-22.32.39-1024x350.png)
Acredita-se o processo inflamatório e a fibrose, na pericardite constritiva, resulte em aderência entre o pericárdio e a parede lateral do ventrículo esquerdo (VE), gerando diminuição de mobilidade desta região no plano longitudinal, manifestado através da diminuição do e´ lateral ao TDI. Com isso, observa-se um padrão diferente do habitual, com inversão do padrão entre e´lateral e e´septal.
Este achado tem sido demonstrado como uma ferramenta auxiliar importante no diagnóstico da pericardite constritiva, como descrito por Christina S. et al.:
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/Captura-de-Tela-2023-03-09-as-21.26.50-1024x466.png)
Nos pacientes controle (saudáveis), a velocidade do e´ lateral foi 25% maior que o e´ septal (13.0+3.1 vs. 10.7+ 2.8 cm/s; P ¼ 0.02). Já nos pacientes com pericardite constritiva (14 pacientes), a velocidade média do e´lateral foi 2% menor que a do e´ septal (10.7+2.5 vs. 11.2+ 3.1 cm/s; P . 0.05). A diferença absoluta das médias de velocidade dos TDI lateral e medial em relação ao grupo controle foi de 20.55+2.57 and 2.27+2.79 cm/s, respectivamente.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/Captura-de-Tela-2023-03-09-as-21.35.08-922x1024.png)
O estudo ainda fez uma análise comparativa com pacientes com cardiomiopatia restritiva (10 pacientes). As velocidades do TDI mitral foram significativamente mais altas nos pacientes com pericardite constritiva (e´ lat média 10.7+2.5 vs. 3.7+1.7 cm/s – P , 0.001; e´ septal média 11.2+3.1 vs. 3.8+2.4 cm/s – P , 0.001). Não houve, entretanto, diferença estatisficamente significativa na comparação entre o grupo com cardiomiopatia restritiva e o grupo controle (17 pacientes).
Agora aqui trago um dado interessante: em estudo comparando algumas variáveis ecocardiográficas (pré e pós procedimento) de pacientes com pericardite constritiva que foram submetidos a pericardiectomia e considerados como “respondedores”, ou seja com melhora sintomática (NYAH CF II ou menor – parâmetro utilizado no estudo) ao tratamento cirúrgico, foi observado que em 50% dos casos, o padrão de annulus reversus persistiu após a cirurgia.
Houve redução significativa da congestão da veia cava inferior (p < 0.0001), bem como do diâmetro do átrio esquerdo. A presença de movimento assincrônico do septo interventricular (septal bounce) persistiu em 25% dos casos. Foi observado aumento significativo da velocidade da onda E mitral (fase inspiratória).
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/Captura-de-Tela-2023-03-09-as-21.40.21-1024x626.png)
indian heart journal 68 (2016) 316–324
A presença de annulus reversus foi observada em 12 pacientes (60%) no pré procedimento, persistindo em 6 pacientes após a abordagem cirúrgica.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/Captura-de-Tela-2023-03-09-as-21.44.03-1024x859.png)
Baseado neste resultado, podemos então imaginar que a restrição de mobilidade da parede anterolateral, com consequente redução da onda e’ lateral, não está apenas relacionado à restrição mecânica imposta pelo pericárdio rígido, mas também como consequência de um dano funcional (miocárdico), podendo permanecer como sequela (fibrose).
Como exemplo, trago este relato de caso do periódico CASE:
Mulher, 30 anos de idade, com histórico de episódios recorrentes de miopericardite e derrame pericárdico, de etiologia não definida. Admitida na emergência com dor no ombro esquerdo há 03 dias. Três semanas antes do início da dor, a paciente relata ter sido submetida a gastroplastia.
Descartas possíveis complicações relacionadas à cirurgia, a paciente foi encaminhada para avaliação cardiológica. Exames laboratoriais demonstravam troponina elevada (5.66 ng/ml – normal: 0.01-0.04), BNP de 323 pg/ml (normal: < 100) e aumento de D-dímero.
Eletrocardiograma exibia taquicardia sinusal e alteração da repolarização ventricular inferolateral, além de onda Q de amplitude aumentada em aVL. AngioTC de tórax descartou tromboembolismo pulmonar, contudo mostrou derrame pericárdico moderado e derrame pleural discreto à esquerda.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/1-s2.0-S2468644122002614-gr1_lrg-1024x301.jpg)
Ecocardiograma transtorácico mostrou fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) de 60%, com presença hipocinesia/acinesia das paredes anterior e anterolateral, com aparente aderência ao pericárdio.
TDI mitral com onda e’ septal de 10 cm/s e onda e’ lateral de 5 cm/s, compatível com annulus reversus.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/1-s2.0-S2468644122002614-gr2_lrg-1024x370.jpg)
A análise da deformação miocárdica mostrou Strain Global Longitudinal reduzido (-10,8%), com comprometido maior dos segmentos basal e médio da parede anterolateral e também da parede inferolateral.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/1-s2.0-S2468644122002614-gr3_lrg-1024x700.jpg)
Realizado ressonância magnética (RM) cardíaca cujo resultado demonstrou fração de ejeção do VE de 50%, hipocinesia difusa, poupando os segmentos septais, com realce tardio envolvendo o pericárdio e o miocárdio basal lateral, apical lateral e segmentos apicais do VE, compatível com fibrose transmural.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/1-s2.0-S2468644122002614-gr4_lrg-1024x455.jpg)
Dado o diagnóstico de miopericardite, a paciente apresentou evolução satisfatória após uso de Colchicina. Nova RM cardíaca de controle, após 3 meses, leve melhora do realce tardio basal lateral e dos segmentos apicais lateral, com resolução do realce pericárdico.
Neste caso, o padrão de annulus reversus foi demonstrado mesmo sem haver pericardite constritiva. O uso da RM cardíaca foi essencial para confirmação e documentação da presença de fibrose miocárdica, corroborando que a inversão do TDI mitral foi resultante de um dano funcional (e não por restrição mecânica).
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/foto-2.jpg)
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Muito bom