Insuficiência Mitral Grave Desencadeada por Estresse Emocional: o coração precisa estar “zem”

A insuficiência mitral (IMi) é uma doença dinâmica, bastante influenciada pelas condições hemodinâmicas e pela geometria do ventrículo esquerdo (VE). Embora a maioria dos casos esteja relacionada a alterações estruturais da valva mitral (VMi) ou à disfunção do VE, existem relatos raros de IMi importante sem anormalidades estruturais.

Trago aqui um relato de caso do periódico CASE cujo estresse emocional agudo levou a piora temporária da IMi, revertida rapidamente após o paciente se acalmar.

Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)

Mulher de 77 anos, com histórico de hipertensão arterial e dislipidemia, foi encaminhada para o laboratório de ecocardiografia após a detecção prévia de IMi grave. Seis meses antes, durante hospitalização por congestão pulmonar associada ao aumento dos níveis pressóricos, seu ecocardiograma mostrava função sistólica preservada (fração de ejeção de 65%), volume atrial esquerdo de 40 ml/m² e apenas IMi leve (valva mitral sem alterações estruturais), além de hipertensão pulmonar leve (PSAP 45 mmHg).

O eletrocardiograma mostrava bloqueio de ramo esquerdo e cateterismo (CATE) cardíaco descartou doença arterial coronária obstrutiva. Durante o CATE, foi documentado aumento da pressão diastólica final do VE (40 mmHg – valor de normalidade < 12 mmHg), sugerindo a presença de disfunção diastólica.

Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)

Durante o seguimento da paciente, alguma das medicações anti-hipertensivas foram suspensas em razão de episódios de hipotensão sintomática. Novo exame, realizado durante este período, mostrou excepcionalmente uma regurgitação mitral significativa (vena contracta 1,2 cm), com função ventricular esquerda preservada e hipertensão pulmonar importante (PSAP 70 mmHg).

Neste exame, foi observado má coaptação dos folhetos da valva mitral, embora não houvesse nenhuma alteração estrutural documentada, bem como déficit contrátil segmentar. Em razão da oscilação dos níveis pressóricos, algumas medicações foram reiniciadas para controle da pressão arterial e novo ecocardiograma foi agendado.

Novo ecocardiograma demonstrou função sistólica global e segmentar do VE preservada, com fração de ejeção de 65%, diâmetros do VE preservados (DSVE 24 mm, DDVE 41 mm). O ventrículo direito apresentava diâmetro normal e função sistólica preservada.

Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)
Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)
Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)

A valva mitral se mostrava estruturalmente normal, porém com sinais de falha de coaptação durante o final da sístole (figura A). Ao color, a relação área do jato/área do átrio esquerdo era > 50% (figura C), com fluxo regurgitante holossistólico.

O volume do átrio esquerdo era de 106 ml/m², com PISA de 9,3 mm, vena contracta 1.2 cm, onda E com 86 cm/s, parâmetros compatíveis com IMi importante, além de PSAP de 72 mmHg.

Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)

Durante a realização do exame, a paciente disse estar sob forte estresse emocional e se sentindo sobrecarregada.

Contudo, à medida em que o tempo foi passando, a paciente passou a se sentir mais calma e o mais interessante ocorreu: a regurgitação valvar, ora importante, foi diminuindo em intensidade até se tornar leve em questão de alguns minutos.

Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)
Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)

Agora com a paciente mais calma, novas medidas foram realizados, com parâmetros de função ventricular esquerda preservados (FEVE 65%), IMi leve com valva mitral estruturalmente normal e com coaptação habitual dos folhetos, além de redução da PSAP para 40 mmHg. Notou-se também um formato bimodal do fluxo regurgitante da valva tricúspide após a redução da IMi, indicando uma mudança hemodinâmica aguda no leito pulmonar.

Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)
Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)
Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)

A disfunção valvar mitral por insuficiência é uma condição dinâmica e altamente influenciada pelo status hemodinâmico e pela geometria ventricular.

O estresse emocional, por sua vez, é sabidamente uma condição associada a alterações autonômicas. O tônus simpático exacerbado, que ocorre durante uma crise de ansiedade ou de estresse emocional, decorrente da estimulação endógena catecolaminérgica excessiva, desempenha papel importante numa série de doenças cardiovasculares por aumento do débito cardíaco e da pós-carga.

Poucos dados estão disponíveis na literatura sobre intensificação da regurgitação mitral induzida pelo estresse emocional. Na presença de uma valva mitral estruturalmente normal e um ventrículo esquerdo com função global preservada, a interação entre o aumento da pós-carga e a valva mitral representa o fator principal que contribui para a piora da IMi.

Aker et al. CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports (Abril de 2025)

Apesar de este relato de caso demonstrar um caso extremo, na prática podemos ver isso com certa frequência: aumento (discreto e por vezes subjetivo) da regurgitação mitral e acordo com o aumento da pressão arterial.

Por isso, é de bom senso, ao fazer a análise ecocardiográfica da IMi, descrever no laudo a pressão arterial do paciente durante o exame (da mesma forma que fazemos com a frequência cardíaca quando avaliamos um paciente com estenose mitral, por exemplo).

Acrescento também a importância de um bom acolhimento e de um ambiente calmo durante a realização do ecocardiograma. Eu particularmente sempre deixo música ambiente no laboratório de ecocardiografia e, de forma geral, os pacientes sempre elogiam.

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Moisés Moreira

Parabéns Caio, Interessante. Há uma designação de insuficiência valvar mitral eclipsada para casos como este. Há casos semelhantes na literatura para pacientes com alterações tireoidianas descompensadas.

Marco Aguiar

Excelente, Caio.
Mais uma vez parabenizo seus excelentes cases.

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