As causas primárias de insuficiência tricúspide (IT) não são tão comuns, podendo ser de etiologia congênita (anomalia de Ebstein, por exemplo) ou adquirida (endocardite infecciosa, doença mixomatosa, relacionada à dispositivo cardíaco implantável).
Trago aqui um relato de caso com o achado raro de hipoplasia do folheto posterior da valva tricúspide como causa de IT e com evolução para disfunção ventricular direita.
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Homem, 57 anos, com relato de edema de membros inferiores e piora de dispneia, iniciada há 18 meses. Sem comorbidades conhecidas, negava uso de drogas intravenosas ou outros fatores de risco para endocardite infecciosa.
Eletrocardiograma com ritmo sinusal e evidencia de sobrecarga ventricular direita. Ao exame física, frequência respiratório de 24 irpm, SpO2 96%, turgência jugular patológica, com hiperfonese de B2 e sopro holossistólico mais audível na borda esternal direita inferiormente, mais intenso durante a inspiração.
Ecocardiograma transtorácico demonstrou dilatação biatrial, com volume indexado do átrio direito (AD) de 103,0 ml/m² e dilatação do ventrículo direito (VD) – diâmetro basal 5,5 cm, diâmetro médio ventricular 5,1 cm e diâmetro de via de saída proximal de 5,1 cm, além de disfunção sistólica leve do ventrículo esquerdo (VE). A medida do anel tricúspide foi de 5.0 cm.
Na janela paraesternal voltada para a via de entrada do VD com angulação para avaliar a parte mais posterior da valva tricúspide (presença do seio coronário), foi observado folheto posterior hipoplásico, consequente falha de coaptação e regurgitação valvar severa, além de tethering do folheto septal.
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Ao estudo com Doppler, a IT foi graduada como torrencial (vena contracta 2,4 cm e EROA 0,9 cm²). Apesar da velocidade máxima do refluxo tricúspide ser de 1.5 m/s, havia um fluxo sistólico reverso triangular na veia hepática.
Na janela paraesternal eixo curto, o VD apresentava um formato em “D” durante a diástole sugerindo sobrecarga volumétrica.
Foi realizada ressonância magnética (RM) cardíaca, descartando cardiomiopatia arritmogênica e corroborando os achados ecocardiográficos, com IT severa e dilatação do AD (área 51.0 cm²).
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Ecocardiograma transesofágico demonstrou que a regurgitação tricúspide se originava a partir do folheto posterior.
No nível transgástrico, o folheto era posterior pequeno e hipoplásico.
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Esses achados foram corroborados com a reconstrução 3D, documentado mais uma vez um folheto posterior hipoplásico dando origem a uma regurgitação valvar severa pela falha de coaptação.
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Foi realizada investigação clínica para descartar síndrome carcinóide e a ausência parcial do folheto posterior foi, então, definida como de origem congênita. O paciente foi submetido a cirurgia de troca valvar com sucesso.
Existem muito poucos casos descrevendo ausência total de algum dos folhetos da valva tricúspide na literatura. Dos 5 relatados, dois se relacionavam ao folheto anterior e os outros três, ao folheto posterior.
A diferenciação de ausência completa ou hipoplasia é importante, sobretudo para o planejamento terapêutico, uma vez que, na ausência total, esses pacientes não seriem elegíveis para um reparo valvar ou intervenções transcateter.
O diagnóstico precoce é crucial já que a disfunção valvar pode ter importante impacto hemodinâmico, como visto neste caso, que pode evoluir para formas irreversíveis de repercussão.
Como sabemos, o estudo transesofágico é superior ao ecocardiograma transtorácico para a avaliação anatômica da valva tricúspide, sendo portanto uma modalidade diagnóstica mandatória nesses pacientes. Ainda, a avaliação através de diferentes modalidades de imagem é útil para descartar outras possibilidades diagnósticas e possíveis complicações, como endocardite, presença de abscessos, perfuração de folheto valvar ou ruptura de cordoalhas tendíneas.
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.