Estenose aórtica (EAo) severa é definida por gradiente transvalvar médio (Gmed) ≥ 40 mmHg ou velocidade de pico (Vmáx) ≥ 4 m/s, associada a área valvar (AVA) < 1 cm². Contudo, aproximadamente 1/3 dos pacientes com EAo se apresentam com discordância entre o Gmed e AVA à ecocardiografia.
Em recente publicação do JACC: Case Reports (Confirmation of Aortic Stenosis Severity in Case of Discordance Between Aortic Valve Area and Gradient. JACC: CASE REPORTS, VOL. 4, NO. 3, 2022 FEBRUARY 2, 2022:170–177), Iria Silva, et al. Ilustra, através de exemplos, os diferentes cenários possíveis de apresentação:
CASO 01: EAo baixo fluxo – baixo gradiente paradoxal
Mulher, 80 anos, hipertensa, com quadro de insuficiência cardíaca. Ecocardiograma com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) preservada, hipertrofia concêntrica do VE e valva aórtica com espessamento dos folhetos. Gmed de 26 mmHg e AVA 0.64 cm². Stroke volume de 53 ml (Stroke Volume indexado de 30 ml/m²), compatível com EAo paradoxal. Realizado Escore de Cálcio da VAo cujo resultado confirmou EAo severa (3.200 AU).
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/02/Figura-2-1024x735.jpg)
Lembrando que os valores de corte do Escore de Cálcio da VAo são 1.200 AU para mulheres e 2.000 AU para homens. Em algumas situações, recomenda-se usar os valores indexados, sendo nestes casos, 500 AU/cm² (homens) e 300 AU/cm² (mulheres).
NOTA: neste cenário, se faz importante excluir alguns possíveis fatores confundidores que podem levar ao erro de medidas. Recomenda-se, sempre que possível, realizar o índice de Doppler, que, quando > 0.25, pode indicar erro na medida da via de saída do VE. Ainda, recomenda-se fazer o cálculo do stroke volume através de outros métodos, como a fração de ejeção por Simpson. Vale lembrar que a associação de EAo de baixo fluxo com amiloidose cardíaca não é incomum, devendo esta ser excluída.
CASO 02: EAo baixo fluxo – Baixo gradiente com reserva de fluxo
Homem, 55 anos, portador de diabetes mellitus (DM), com queixa de dispneia. Ecocardiograma demonstrou disfunção sistólica importante (FE 15%) do VE e VAo com calcificação moderada, apresentado Gmed de 22 mmHg, com Stroke Volume indexado de 24 ml/m² e AVA 0.92 cm². Excluído cardiopatia isquêmica, paciente foi submetido a ecocardiograma com estresse farmacológico (Dobutamina) para descartar EAo “pseudo- severa”. Foi demonstrado reserva de fluxo (aumento ≥ 20% do stroke volume), além de aumento do Gmed para 40 mmHg, confirmando o diagnóstico de EAo severa.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/02/Captura-de-Tela-2023-02-24-as-11.47.42-1024x715.png)
CASO 03: EAO baixo fluxo – baixo gradiente com reserva de fluxo limitada
Homem, 73 anos, com cardiopatia isquêmica (FE 25%) e calcificação da VAo. Gmed de 27 mmHg e AVA 0.89 cm². No contexto de baixo fluxo (stroke volume 25 ml/m²) e disfunção ventricular esquerda, foi realizado ecocardiograma com estresse famarcológico (Dobutamina), cujo resultado demonstrou reserva de fluxo limitada e persistência da discordância entre o Gmed e AVA durante a fase de estresse.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/02/Captura-de-Tela-2023-02-24-as-11.49.55-1024x715.png)
CASO 04: EAo baixo fluxo-baixo gradiente sem reserva de fluxo
Mulher, 76 anos, com passado de revascularização miocárdica e disfunção ventricular esquerda (FE 25%), com calcificação importante da VAo. Ecocardiograma demonstrou Gmed 27 mmHg, AVA 0.82 cm² e Stroke Volume indexado de 26 ml/m². Ecocardiograma com estresse farmacológico (Doubutamina) não demonstrou reserva de fluxo, assim como não evidenciou alterações no Gmed e AVA, mantendo a discordância entre esses parâmetros. Escore de Cálcio da VAo foi compatível com EAo severa: 3.682 AU).
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/02/Captura-de-Tela-2023-02-24-as-11.52.06-1024x606.png)
CASO 05: EAo pseudo severa
Homem, 70 anos, hipertenso e diabético, além de cardiopatia isquêmica (FE 20%), com Gmed de 22 mmHg e AVA 0.85 cm², além de estado de baixo fluxo (Stroke Volume indexado de 20 ml/m²). Ecocardiograma com estresse famarcológico (Dobutamina) demonstrou reserva de fluxo (aumento do stroke volume de 36 para 55 mL), o Gmed passou para 32 mmHg e a área valvar aórtica para 1.2 cm², achados consistentes com EAo pseudo severa.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/02/Captura-de-Tela-2023-02-24-as-11.53.37-1024x906.png)
CASO 06: EAo com baixo gradiente e fluxo normal
Homem, 84 anos, hipertenso e diabético, com quadro de dispneia. Ecocardiograma demonstrou função ventricular esquerda normal, hipertrofia concêntrica do VE e calcificação importante da VAo. Gmed de 33 mmHg, com Stroke Volume de 40 ml/m² e AVA 0.95 cm². Complementado com Escore de Cálcio da VAo, cujo resultado demonstrou EAo severa (2.385 AU).
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/02/Figura-4-1024x601.jpg)
Como já mencionado em publicação anterior, a medida da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) é passo de extrema importância na avaliação destes pacientes e, quando feita de forma inadequada, pode levar à erro na classificação destes pacientes. Uma forma de tentar “minimizar” a chance de erro é comparar a medida da VSVE obtida com a medida predita da VSVE. Esta última pode ser obtida através da seguinte fórmula:
VSVE predita = (5.7 x superfície corpórea) + 12,1
Quando estas medidas apresentam diferença > 2 mm entre elas, considera-se uma medida inadequada da VSVE.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/foto-2.jpg)
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Muito bom !!!! Parabéns e gratidão por compartilhar o conhecimento
Excelente revisão, caríssimo Caio. Bastante didático e atualizado. Parabéns.