Disfunção Valvar Relacionada à Calcificação do Anel Mitral: artigo de revisão

A calcificação do anel mitral (MAC – mitral annular calcification), tema já discutido neste blog, é um achado frequente em pacientes assintomáticos, sobretudo na população idosa. Muito se discute em relação ao impacto prognóstico, bem como os critérios de definição para a disfunção valvar mitral associada à calcificação do anel. Em recente publicação do JACC foi realizado uma revisão sobre este tema.

A disfunção valvar significante relacionada à MAC ocorre em uma minoria de pacientes, apesar de representar a etiologia dominante de estenose valvar mitral em países desenvolvidos. Além disso, muito se discute sobre o impacto prognóstico na vida desses pacientes.


A prevalência estimada normalmente varia entre 8-15% da população geral, chegando a >40% em estudos com população idosa, sendo mais comum entre mulheres e naquelas com doença renal crônica. Pacientes submetidos a radioterapia em região do tórax também tem uma incidência maior de disfunção valvar relacionado à MAC. Por compartilhar os mesmos fatores etiopatogênicos, não é incomum a associação entre MAC e doença valvar aórtica calcífica.

Apesar de não se ter uma definição amplamente aceita na literatura, existem alguns critérios, utilizados em diferentes estudos, para o diagnóstico da disfunção valvar associada à MAC:

  • Gradiente médio transvalvar > 3 mmHg + Fluxo turbulento não laminar ao estudo com Doppler;
  • Outro forma alternativa de diagnóstico consiste na presença de qualquer grau de estenose, dada pelo gradiente médio ou área valvar, e/ou presença de regurgitação mitral pelo menos moderada na presença de calcificação do anel mitral.

Em uma série cirúrgica, a lesão mais comum foi a estenose valvar (33%), enquanto que a regurgitação mitral foi observada em 26% e ambas, em 31% dos casos.

Independente do critério utilizado, a avaliação diagnóstica deve ser baseada em dois pilares: avaliação anatômica (extensão da calcificação) e funcional (impacto no funcionamento da valva mitral).

Em relação à extensão da calcificação, recentemente foram propostos dois modelos padronizados para realizar esta graduação, baseados nos achados ecocardiográficos e da tomografia computadorizada:

Apesar de desafiadora, a avaliação ecocardiográfica ainda é o método de preferência para definir o tipo e grau de disfunção valvar em pacientes com MAC.

Para aqueles com estenose valvar, a gravidade é definida pelo gradiente médio e pelo cálculo da área valvar. Contudo, existem algumas limitações em relação aos parâmetros ecocardiográficos utilizados para essa graduação.

A planimetria pelo ecocardiograma bidimensional, por exemplo, é o padrão ouro na avaliação da estenose mitral reumática. No caso de MAC, contudo, em decorrência do alto grau de calcificação, fusão comissural em diversos graus, o orifício valvar tipicamente assume uma geometria não planar e muito próxima dos pontos de calcificação no plano do anel valvar (e não no plano do ponto de coaptação habitualmente observado). Tudo isso dificulta a visualização do orifício valvar. Aqui, o estudo tridimensional, através da ecocardiografia transesofágica, pode fornecer uma avaliação mais confiável.

Já o uso do PHT para o cálculo da área valvar tem também validade limitada nesse contexto dado as alterações das complacências atrial e ventricular comumente encontradas nos pacientes com MAC (idosos!), o que pode superestimar o valor final da área da valva mitral.

O método de PISA também tem aplicação limitada nos pacientes com estenose mitral associada à MAC, já que o orifício assume um formato não circular.

Desta forma, recomenda-se o uso da equação de continuidade para realização do cálculo da área valvar.

Quanto à regurgitação valvar, são utilizados os mesmos parâmetros da avaliação do refluxo valvar de outras etiologias. O principal desafio se dá pela presença de sombra acústica posterior da calcificação, que pode limitar a visualização a curva de fluxo do jato regurgitante ao Doppler. Desta forma, o ecocardiograma transesofágico se mostra superior em relação ao transtorácico se houver alguma limitação.

A decisão por intervenção, seja cirúrgica ou transcateter, é um verdadeiro desafio clínico no contexto desses pacientes, pela dificuldade técnica e alta morbimortalidade nessa população. Mesmo após um procedimento bem sucedido, com redução significativa do gradiente transvalvar médio, a pressão média atrial pode permanecer elevada em razão da baixa complacência desta câmara nesses pacientes (idosos!). Comumente, estes pacientes persistem com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFep). Por isso, apenas um pequeno grupo de pacientes irá se beneficiar de uma abordagem invasiva, devendo esta discussão ocorrer em conjunto com diversos especialistas (heart team).

Por fim, a revisão propõe a unificação de definição para o diagnóstico da disfunção valvar severa relacionada à MAC, integrando as lesões estenótica, regurgitante ou associadas:

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Willams de Matos Moraes

Excelente atualização de um tema pouco discutido na atualidade. Pude aprender bastante. Muito obrigado, caríssimo Caio.

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