A calcificação do anel mitral (Mitral Annular Calcification – MAC) é um processo crônico degenerativo que, quando severo, pode resultar em estenose valvar acompanhada ou não de regurgitação mitral. A prevalência de estenose mitral significativa decorrente de MAC vem crescendo cada vez mais nos países desenvolvidos, com o aumento da população idosa e de pessoas com hipertensão arterial, bem como de pacientes submetidos à radioterapia.
É resultante de um processo lento e progressivo de calcificação do componente fibroso do anel mitral e tem sua prevalência estimada em 10%, sendo o anel posterior mais frequentemente acometido quando comparado com o anterior. Contudo, a evolução para estenose valvar é considerada rara, acontecendo em aproximadamente 0,2% dos pacientes submetidos à ecocardiografia transtorácica. Vale ressaltar, porém, que a prevalência aumenta se considerarmos a população > 90 anos de idade, chegando a 2,5% nessa faixa etária.
Os fatores de risco mais frequentemente associados são:
- Idade
- Sexo feminino
- Doença renal crônica
- Hipertensão arterial sistêmica
- Estonse aórtica
- Radioterapia na região do tórax (ex: tratamento de linfoma de Hodgkin)
Apesar de acometer predominantemente o anel valvar e o segmento proximal dos folhetos da valva mitral, a estenose valvar ocorre com mais frequência quando a calcificação se estende para os segmentos médio e distal (borda de coaptação) dos folhetos, particularmente o anterior, resultando em restrição de mobilidade.
Quando ocorre de forma isolada, a calcificação do anel mitral não interfere na mobilidade dos folhetos valvares e a dinâmica de enchimento ventricular ocorre normalmente. Contudo, com o passar do tempo, a degeneração calcífica tende a progredir para os folhetos resultando e redução de mobilidade e levando mais comumente a dupla lesão: estenose e insuficiência.
A avaliação ecocardiográfica inclui as análises qualitativas (avaliar extensão da calcificação, espessura dos folhetos, bem como sua mobilidade, ponto de coaptação) e quantitativa (área valvar, gradientes, índices de regurgitação).
Recomenda-se avaliar a extensão da calcificação (focal x circunferencial) na janela paraesternal eixo curto e fazer uma descrição detalhada do acometimento de todo o aparato valvar.
A análise através do ecocardiograma 3D permite uma melhor caraterização do acometimento valvar na MAC, além de possibilitar um planejamento terapêutico adequado quando indicado.
Na análise quantitativa, vale ressaltar que o gradiente médio da valva mitral não deve ser considerado como parâmetro único para quantificar a estenose valvar porque depende de outras variáveis como frequência cardíaca, pós carga e insuficiência mitral associada. Desta forma, recomenda-se o cálculo da área valvar através da equação de continuidade como melhor parâmetro.
A medida do PHT sofre influência de diversos fatores, motivo pelo qual tem papel “limitado” neste cenário. Complacência atrial e ventricular, relaxamento ventricular alterado e insuficiência aórtica associada podem interferir na medida da área valvar por este método (vide foto a cima).
Nos casos em que a avaliação ecocardiográfica pode não ser confiável pelas dificuldades técnicas, a ressonância e tomografia cardíacas podem ser úteis para avaliar a severidade da MAC.
Uma classificação, baseada em critérios anatômicos, foi proposta em Severe Mitral Annular Calcification: Multimodality Imaging for Therapeutic Strategies and Interventions para guiar a escolha da melhor abordagem terapêutica, tendo em vista os inúmeros desafios do tratamento da MAC associada a disfunção valvar:
Esta classificação leva em consideração o grau de acometimento (em ângulo) considerando o anel mitral como uma estrutura circunferencial avaliada no eixo curto da janela paraesternal.
Nesta primeira imagem, temos a classificação “grau I” (ou leve), cuja calcificação se dá em pontos não contíguos limitada à < 180 graus da circunferência do anel mitral.
Já nesta imagem, temos um exemplo de “grau II” (ou moderada), em que há uma calcificação mais densa, de forma contígua, limitada à < 270 graus da circunferência do anel mitral.
Por último, temos o “grau III” (ou severa) com calcificação densa, contígua acometendo > ou igual a 270 graus da circunferência do anel mitral (neste caso, acometimento completo do anel).
Outra forma mais prática de graduar é considerando acometimento leve aquele < 1/3 da circunferência do anel valvar, moderado entre 1/3 -1/2 do anel e severo > 1/2 da circunferência do anel mitral.
Deixo aqui o link do setor de Medical Professional Video Center do portal da Mayo Clinic com um breve video sobre MAC: https://medprofvideos.mayoclinic.org/index.cfm?objectid=4FC12AA0-0889-11E6-B9C0005056890D87
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
[…] responsável por 0.5-1% das calcificações do anel mitral (sendo considerada uma variante rara de MAC). De etiologia ainda não muito bem esclarecida, acomete preferencialmente o anel posterior e […]