Referência: Pena, José Luiz Barros, Ecocardiografia e Imagem Cardiovascular, 2021
Os avanços em cirurgia cardíaca para defeitos congênitos nos últimos anos têm levado a um aumento significativo da população de adultos com cardiopatia congênita. Atualmente, mais de 85% dos pacientes com defeitos cardíacos considerados complexos sobrevivem até a idade adulta e esta porcentagem continua aumentando.
O número de adultos com cardiopatia congênita complexa ultrapassa o de crianças e é estimado em mais de 1 milhão na América do Norte. Portanto, saber realizar a correta análise dos diferentes aspectos ecocardiográficos nestes pacientes é de extrema importância, já que as complicações tardias podem ser frequentes.
Em relação a correção da Tetralogia de Fallot, apesar da excelente sobrevida e qualidade de vida, a presença de defeitos residuais podem causar complicações significativas. Desta forma, recomenda-se o acompanhamento seriado por toda a vida nos pacientes operados durante a infância.
A ecocardiografia transtorácica é o exame de linha de frente no acompanhamento e fornece informações compreensivas da (1) via de saída do ventrículo direito, (2) regurgitação pulmonar, (3) comunicação ventricular residual, (4) dimensões do ventrículo direito e do (5) ventrículo esquerdo, como também da avaliação da (6) função biventricular.
- Via de Saída do Ventrículo Direito (VD): a dimensão da via de saída no local da valva pulmonar é importante visando o implante da valva pulmonar percutânea (em alguns pacientes a substituição por um tubo pode ser necessária – quando há hipoplasia importante ou mesmo atresia pulmonar). Ao avaliar obstrução residual, é importante identificar o local usando o Doppler colorido (contínuo e pulsátil). Nos casos de tubo VD-tronco pulmonar, a obstrução pode ocorrer em qualquer lugar ao longo do tubo, com ou sem envolvimento da porção proximal dos ramos pulmonares. Pelo Doppler também é possível diferenciar entre obstrução fixa ou dinâmica (padrão de aceleração tardia). Para quantificá-las, usamos o gradiente de pico:
Nos casos em que não se consegue um gradiente e/ou Doppler adequado, o que muitas vezes acontece nos tubos VD-TP, deve-se guiar pela velocidade do jato da regurgitação tricúspide. Vale lembrar que, na presença de estenose pulmonar, o refluxo tricúspide não não estima a PSAP, mas sim a pressão sistólica do ventrículo direito (PSVD).
- Regurgitação Pulmonar: pode ocorrer por diversas causas (valvotomia pulmonar, presença de patch para aumentar o anel pulmonar, ou qualquer procedimento que altere a valva nativa). É um dos fatores mais importantes no pós operatório tardio, sendo o fator que inicia toda a cascata fisiopatológica que irá levar a dilatação do VD e posteriormente a disfunção ventricular. Os achados que caracterizam a severidade da regurgitação pulmonar inclui fluxo reverso diastólico na artéria pulmonar, ou nos seus ramos, associado à largura do jato regurgitante > ou igual a 50% do anel pulmonar (alguns consideram a relação jato/anel pulmonar > 0,7 predizendo uma fração de regurgitação > ou igual a 40%). Um tempo de aceleração curto pelo Doppler é geralmente sinal de regurgitação severa.
- Artérias Pulmonares: são avaliadas combinando-se a imagem bidimensional e o Doppler colorido nas janelas supraesternal e pelo plano paraesternal alto. O tronco da pulmonar deve ser medido na porção medial durante a sístole e, quando existe estenose supravalvar, deve-se medir o ponto de maior estreitamento. Os ramos pulmonares devem ser medidos e documentados.
- Morfologia da Valva Tricúspide: a insuficiência tricúspide é muito comum no pós operatório e pode estar relacionado com diversos fatores: fechamento de CIV pela colocação de patch logo na região da comissura entre o folheto septal e o anterior. Outro mecanismo seria a dilatação do anel secundária à dilatação do VD e ao deslocamento dos músculos papilares, bem como a dilatação do próprio VD por alteração da geometria. A largura da vena contracta, o diâmetro do jato regurgitante e a intensidade do sinal do Doppler têm sido usados como parâmetros para a quantificação da insuficiência tricúspide. Além desses, o tamanho da veia cava inferior, do átrio direito e o fluxo reverso na veia supra-hepática auxiliam na avaliação da severidade da insuficiência mitral.
- Ventrículo Direito – dimensão: o formato em “lua crescente” no paraesternal eixo curto é usado para definir a dilatação quando o diâmetro anteroposterior do VD é maior que o diâmetro do VE ao nível dos músculos papilares, sendo então considerado dilatação importante. O VD também é medido no apical 4C, com diâmetro > 42 mm medido na base e > 35 mm na porção média indicando dilatação (esses números não são indexados a superfície corpórea). Deve-se avaliar também se há hipertrofia ventricular direita, caracterizada por espessura da parede livre > 0,4 mm.
- Ventrículo Direito – função: o cálculo da variação fracional da área (FAC) tem como valor de referência 35%, entretanto, no pós operatório de Tetralogia de Fallot, este valor tem uma correlação modesta quando comparado com a ressonância magnética. Outra medida com baixa correlação quando comparado à RM cardíaca é a da excursão sistólica do plano do anel tricúspide (TAPSE), sendo indicado realizar o Doppler tecidual para análise do movimento do anel tricúspide (Onda S’). Estudos têm demonstrado que o valor de corte < 11 cm/s se correlaciona com fração de ejeção <50% na RM cardíaca.
- Ventrículo Esquerdo: a fração de ejeção do VE é um importante preditor de morte prematura nos pós operatório de Tetralogia de Fallot.
- Shunts Residuais: o Doppler colorido, por meio do septo interventricular, pode localizar comunicações interventriculares residuais, que são mais comuns na parte superior do patch. O septo interatrial também deve ser avaliado, pois raramente podem ser vistas comunicações do tipo seio venoso ou seio coronário.
- Valva Aórtica, Anel Aórtico e Aorta Ascendente: dilatação do anel aórtico é muito comum, principalmente naqueles em que a correção cirúrgica foi tardia. A medida padrão deve ser realizada pelo plano paraesternal eixo longo.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
[…] passada falamos um pouco sobre a avaliação pós operatória tardia da Tetralogia de Fallot, ressaltando os principais aspectos ecocardiográficos. Hoje vamos colocar aqui exemplos práticos […]
Muito didático!