Classificação do remodelamento do VD
Fica claro que para avaliar corretamente a função ventricular direita quando se produz remodelamento, não bastam os parâmetros convencionais de função e de deformação, mas a determinação do tipo de remodelamento nos diversos tipos de sobrecarga.
O tipo mais frequente de sobrecarga ventricular direita é a HAP pós-capilar, com pressão capilar pulmonar (PCP) >15 mmHg, devida à sobrecarga pressórica provocada por valvopatias ou cardiomiopatias do coração esquerdo, em geral de caráter crônico.
A HAP pré-capilar (PCP<15 mmHg) resulta do remodelamento da vasculatura pulmonar que determina aumento da resistência vascular pulmonar, como ocorre em doenças que afetam o pulmão, na hipertensão pulmonar primária, no tromboembolismo pulmonar crônico, e devido a causas multifatoriais, sendo importante destacar neste grupo a forma que acompanha a esquistossomose mansônica do tipo hepato-esplênica (1).
Recentemente foi identificado um fenótipo misto, que combina HAP pré-capilar e pós-capilar, baseado no gradiente diastólico pulmonar e na resistência vascular pulmonar (RVP), que pode ocorrer em pacientes com disfunção sistólica e diastólica do VE onde há profundo remodelamento arteriolar pulmonar, com hipertrofia da média e espessamento da íntima (2). A Tabela abaixo mostra a classificação homologada pela OMS (3).
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Como a adaptação do VD ao aumento da pós-carga é a causa determinante da HAP, a RVP (que mede a resistência oferecida à passagem do fluxo pelo sistema circulatório pulmonar (4)) e a complacência do sistema arterial pulmonar (C) quantificam as propriedades resistivas e elásticas respectivamente (5). Nos casos de HAP é importante, portanto, determinar a RVP.
Do ponto de vista hemodinâmico, a RVP pode ser definida como o quociente entre o gradiente pressórico transpulmonar e o débito pulmonar (6):
RVP = PSAP – PCP / Qp
Onde PSAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; PCP: pressão capilar pulmonar; Qp: débito pulmonar.
Abbas e col (7) propuseram um método para o cálculo da RVP utilizando a ecocardiografia Doppler, onde:
RVP = VRT / VTIVSVD x 10 + 0,16
Onde VRT é a velocidade de refluxo tricúspide, que corresponde ao gradiente pressórico transpulmonar e VTIVSVD é a integral da velocidade do fluxo da via de saída do VD, que corresponde ao débito pulmonar. Quando comparada com a RVP estimada pela hemodinâmica, o autor obteve uma excelente correlação, com R=0,929.
Este cálculo, entretanto, pode ser influenciado pela variação da pressão alveolar e pelo volume pulmonar durante o ciclo respiratório, o que torna o cálculo da RVP relativamente impreciso, embora útil para determinação genérica do estado da circulação pulmonar (8). A figura 15 ilustra o efeito da pressão alveolar e do volume pulmonar.
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Uma classificação mais simplificada da HAP encontra-se na Tabela abaixo (9).
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Entre as sobrecargas volumétricas sem aumento significativo da pressão pulmonar temos a CIA, a insuficiência tricúspide e a insuficiência pulmonar, mas é importante lembrar que todas estas patologias podem desenvolver HAP reacional.
Metodologia de avaliação do remodelamento e função do VD
O remodelamento do VD pode ser avaliado pela ressonância magnética pela relação entre o volume e a massa da cavidade, mas fica fora do alcance da ecocardiografia convencional.
Uma forma simplificada, análoga ao método utilizado no VE, é calcular a espessura relativa, obtida pelo quociente entre a espessura diastólica da parede e o diâmetro basal do VD (10). A espessura da parede do VD é obtida pelo corte subcostal, estimando-se a média de 3 medições. O diâmetro basal do VD é obtido desde a posição apical de 4 câmaras ao nível do anel tricúspide (Figura 16).
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Figura-16.jpg)
A sobrevida de pacientes portadores de HAP está relacionada com o remodelamento reverso do VD após iniciado o tratamento. O remodelamento reverso consiste na diminuição das dimensões e melhora dos parâmetros de função, podendo ser estimado como uma diminuição >15% da área sistólica obtida desde a posição de 4 câmaras após o início do tratamento.
Espessura relativa do VD >0,21 é preditor independente de remodelamento reverso, menor incidência de complicações e maior sobrevida, indicando que o aumento de espessura das paredes contribui para a redução do estresse sistólico parietal. Esta regra é válida quando há sobrecarga pressórica do VD, pois o valor normal da espessura relativa foi estimado em 0,16±0,02 (11).
Para identificar o remodelamento deve-se analisar cada tipo de alteração em particular, sendo recomendada a realização de cateterismo cardíaco para identificar a HP, pois a ecocardiografia pode apresentar sensibilidade inferior para este propósito:
HAP pós-capilar. Este tipo de HAP é devida a doenças do coração esquerdo que elevam a pressão diastólica final do VE, a pressão do átrio esquerdo (AE), a pressão venosa e, por consequência, a PCP a valores superiores a 15 mmHg. Este aumento da PCP desencadeia um processo de vasoconstrição das arteríolas pulmonares pré-capilares com a finalidade de proteger o sistema capilar, motivo pelo qual a pressão pulmonar se eleva gradativamente, provocando remodelamento do VD. Há dilatação e hipertrofia do VD com dilatação anular tricúspide e consequente insuficiência valvar. A RVP, entretanto, é normal. É a forma mais frequente de HP e corresponde ao grupo 2 da OMS.
HAP combinada (pré-capilar e pós-capilar). Observa-se em pacientes que apresentam doença do coração esquerdo e remodelamento vascular pulmonar secundário à congestão crônica. Também pode ocorrer em pacientes com HP muito hipervolêmicos com deslocamento para a esquerda do septo interventricular que provoca aumento de pressão do AE e, consequentemente, da PCP (12). Também acomete pacientes do grupo 2 da OMS.
HAP pré-capilar crônica. Ocorre em pacientes do grupo 1 da OMS, com HP idiopática, hereditária, por infecção pelo HIV, por doenças do tecido conectivo, hipertensão portal, drogas ou doenças congênitas, assim como a doença oclusiva veno-pulmonar crônica, hemangiomatose capilar pulmonar e devida à esquistossomose. A PCP é <15 mmHg e não há doença pulmonar significativa nem tromboembolismo pulmonar crônico. Cursam com vasoconstrição arteríolar, remodelamento vascular com lesões plexiformes e microtroboses. Também ocorre em pacientes do grupo 3 da OMS, acometidos por doenças pulmonares e/ou hipóxia (DPOC, doença pulmonar intersticial, apneia do sono, altas altitudes).
HAP pré-capilar aguda e subaguda. Corresponde a pacientes do grupo 4 da OMS com tromboembolismo pulmonar subagudo ou crônico, arterite pulmonar obstrutiva, tumores ou estenose congênita da artéria pulmonar.
Na Figura 17 se ilustra esta fisiopatologia.
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Remodelamento do VD sem HAP significativa. Em pacientes portadores de CIA, insuficiência tricúspide e insuficiência pulmonar ocorre remodelamento do VD devido à sobrecarga volumétrica da cavidade que não desenvolvem HP significativa, mas que, por causa do aumento das dimensões da cavidade, há um processo de hipertrofia ventricular com o objetivo fisiológico de diminuir o estresse parietal. Estes pacientes apresentam os parâmetros de função sistólica do VD normais (variação de áreas, TAPSE, onda s’ do anel tricúspide e strain longitudinal da parede lateral).
O remodelamento, entretanto, manifesta-se pelo aumento da mecânica radial (13) (aumento do strain radial ou transversal do VD), sendo a relação entre espessura e tamanho da cavidade (espessura relativa) a determinante da evolução clínica.
Na próxima parte abordaremos os parâmetros utilizados para a avaliação da função do VD pela ecocardiografia e seus valores de referência.
Referências bibliográficas.
1- Castillo JM, Bandeira AMP, Albuquerque ES, et al. Echocardiography of right ventricle in patients with schistosomiasis-induced pulmonary hypertension. Arq Bras Cardiol Imagem Cardiovasc 2016; 29(3):84-91.
2- Charalampopoulos A, Lewis R, Hickey P, et al. Pathophysiology and diagnosis of pulmonary hypertension due to left heart disease. Front Med 2018; 5:174.
3- Leopold JA, Maron BA. Molecular mechanisms of pulmonary vascular remodeling in pulmonary arterial hypertension. Int J Mol Sci 2016; 17:761.
4- Chamarthy MR, Kandathil A, Kalva SP. Pulmonary vascular pathophysiology. Cardiovasc Diagn Ther 2018; 8(3):208-213.
5- Chemla D, Lau EMT, Papelier Y, et al. Pulmonary vascular resistance and compliance relationship in pulmonary hypertension. Eur Respir J 2015; 46:1178-1189.
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7- Abbas AE, Fortuin FD, Schiller NB et al. A simple method for noninvasive estimation of pulmonary vascular resistance. J Am Coll Cardiol 2003; 41:1021-1027.
8- Boron W, Boulpaep E. Perfusion of the Lung. Medical physiology, 3rd Edition 2016.
9- Humbert M, Montani D, Evgenov OV, Simonneau G. Definition and classification of pulmonary hypertension, Pharmacotherapy of pulmonary hypertension. In Handbook of experimental pharmacology. Springer-Verlag, Berlin Heildelberg 2013, DOI 10.1007/978-3-642-38664-0_1.
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11- Castillo JM, Oliveira KB, Bandeira AMP, et al. Identificação do padrão de remodelamento ventricular direito e sua relação com a capacidade funcional e prognóstico. Resultado parcial de estudo em execução.
12- Calderaro D, Alves Jr JL, Fernandes CJCS, Souza R. Hipertensão pulmonar na prática do cardiologista. Arq Bras Cardiol 2019; 113(3):419-428.
13- Castillo JM, Albuquerque ES, Silveira CAM et al. Right ventricle: Echocardiographic evaluation of pressure and volume overload. Rev Argent Cardiol 2016; 84:581-587.
![Foto-Castillo-atualizada.png](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2021/06/Foto-Castillo-atualizada.png)
É doutor em medicina, especialista em Cardiologia (SBC) e especialista em Ecocardiografia.
Curriculum completo disponível na Plataforma Lattes
(http://lattes.cnpq.br/4922446519082204)