Alterações da mecânica e geometria do VD
Quando o VD modifica as suas condições de carga por motivos fisiológicos (exercício continuado) ou patológicos (sobrecarga volumétrica, sobrecarga pressórica ou alterações estruturais) sofre um processo de remodelamento. Denomina-se remodelamento, em geral, a ocorrência de câmbios moleculares, celulares e alterações do interstício que se manifestam como mudanças no tamanho, forma e função do coração após uma lesão cardíaca ou sobrecarga pressórica ou volumétrica (1) (Figura 9).
O processo de remodelamento do VD pode ocorrer em resposta ao aumento da pós-carga, como acontece na hipertensão arterial pulmonar (HAP) e à sobrecarga volumétrica, como ocorre na comunicação interatrial (CIA), agindo vários fatores entre os quais se destacam a hipertrofia concêntrica e excêntrica e os mediadores de inflamação (2). Assim, tanto o aumento da pressão como o aumento do volume provocam remodelamento relacionado à elevação do estresse sistólico parietal, seja pelo incremento da pressão, do tamanho da cavidade, ou ambos (Figura 10).
O estresse parietal diminui com o aumento da espessura das paredes (3). Quando o remodelamento se torna crônico o ventrículo pode estar compensado (adaptado pelo aumento de espessura parietal) ou descompensado (mal adaptado, se a hipertrofia foi insuficiente). Há estudos que sinalizam evolução adversa nos pacientes com remodelamento mal adaptado do VD, havendo maior incidência de morbidade e mortalidade. Este tipo de evolução está relacionado com o tipo de hipertrofia, sendo a forma concêntrica, com relação entre o volume e a massa do VD <0,46, mais benigna do que a forma excêntrica, com relação entre o volume e a massa >0,46, parâmetros estes aferidos pela RM (4).
Como o VD sofre constante influência de fatores nervosos, humorais e eletrofisiológicos, apresentando mecanismos intrínsecos de adaptação do débito às mudanças hemodinâmicas, vários mecanismos ocorrem durante o processo de remodelamento: o aumento do volume diastólico final devido ao aumento da resistência pulmonar (pós-carga) ou ao aumento do retorno venoso (pré-carga) é imediatamente sucedida de uma contração mais enérgica, conforme determinado por Frank Starling em 1918 (5). Como este processo se esgota em curto período de tempo pela impossibilidade do VD, devido à pouca espessura parietal, manter níveis mais elevados de pressão, após alguns minutos entra em jogo um poderoso mecanismo fisiológico de adaptação ao abrupto aumento da pós carga, descrito por Anrep em 1912 (6) (Figura 11), deflagrado pela liberação de angiotensina II culminando, após complexas alterações moleculares, com o progressivo aumento da oferta de cálcio para as miofibrilas através da ativação do mecanismo trocador de sódio/cálcio (7), mantendo-se, desta maneira, a resposta inotrópica.
O mecanismo de adaptação do efeito Anrep pode ser parcialmente mensurado pelo acoplamento ventrículo-arterial, considerado padrão ouro para a avaliação da função do VD na HAP, que relaciona a elastância de final de sístole ventricular (Ees, relação entre a pressão sistólica final e o volume sistólico final) com a elastância arterial (Ea, relação entre a pressão sistólica final e o volume de ejeção) (8). O acoplamento ventrículo-arterial direito ótimo, que mantém o fluxo de ejeção com o mínimo custo energético, corresponde a uma relação Ees/Ea de aproximadamente 1,5 a 2,0 (9).
O conceito de acoplamento ventrículo-arterial surge do fato de que o coração e o sistema arterial são estruturas funcionalmente interligadas, ou seja, à ação de bomba do coração se opõe a resistência oferecida pelo sistema arterial. Enquanto Ees corresponde à contratilidade ventricular, Ea representa as forças opostas extracardíacas à ejeção ventricular, ou seja, a pós-carga arterial. Pode ser representado pela curva de pressão-volume obtida em um ou vários batimentos sucessivos. As diferenças entre VD e VE são devidas à baixa resistência pulmonar, que faz a ejeção ventricular ocorrer mais tardiamente e o traçado não apresentar uma forma tão retangular quando a do VE (10) (Figura 12).
Ao diminuir gradativamente a pré-carga, formam-se diferentes curvas de pressão-volume (Figura 13 A). A linha tracejada (ESPVR) conecta os pontos de final de sístole ou pontos de máxima elastância (pontos vermelhos) ou, ainda, relação pressão-volume de final de sístole. A rampa corresponde a máxima elastância ou Ees. A linha ESPVR também intercepta o eixo do volume no ponto chamado V0, que hipoteticamente representa o volume com carga zero. Ees define o estado contrátil do ventrículo e é relativamente insensível às modificações da carga. Os pontos azuis correspondem à relação pressão-volume diastólica, caracterizando as propriedades viscoelásticas do miocárdio durante a diástole. Quando muda a contratilidade, Ees muda proporcionalmente (Figura 13 B).
As mudanças da pós-carga também alteram proporcionalmente a elastância arterial (Ea). O ponto de intersecção das rampas de Ees e Ea corresponde ao acoplamento ventrículo-arterial (Figura 14).
A maioria das publicações sobre remodelamento do VD estão relacionadas à hipertensão pulmonar, primária ou secundária. Poucos estudos abordam o remodelamento do VD consequência da sobrecarga volumétrica da cavidade, como ocorre, por exemplo, na CIA (11), na insuficiência pulmonar (12), na insuficiência tricúspide (13) e em outras patologias que apresentam relativa preservação da pressão arterial pulmonar.
A determinação do tipo de remodelamento, assim como o tipo de resposta ao aumento da pós-carga ou dilatação do VD é importante para o prognóstico, acompanhamento e tratamento dos pacientes, pois define a adaptação ou má adaptação da cavidade.
A avaliação da função atrial direita, pela análise volumétrica ou pelos parâmetros de deformação também está relacionada com o grau de adaptação do VD (14) e merece especial atenção.
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É doutor em medicina, especialista em Cardiologia (SBC) e especialista em Ecocardiografia.
Curriculum completo disponível na Plataforma Lattes
(http://lattes.cnpq.br/4922446519082204)