Ventrículo Direito Dupla Câmara: uma condição rara

O ventrículo direito (VD) dupla câmara é uma forma rara de obstrução da via de saída do ventrículo direito (VSVD), correspondendo a 0.5-2.0% de todas as cardiopatias congênitas. É mais comum entre pacientes do sexo masculino, com relação homem/mulher de 2:1.

Até o momento, não são descritos fatores de risco para esta condição, sendo  relatados casos esporádicos em pacientes com síndrome de Down e síndrome de Noonan.

Na maioria dos casos é causada por uma banda muscular anômala (pode ser única ou múltipla) que divide a cavidade ventricular direita em duas câmaras, sendo uma proximal de alta pressão e outra distal com baixa pressão.

Park et at. Classificou esta condições em dois diferentes tipos:

– Tipo I: presença de banda muscular anômala dividindo a cavidade ventricular direita;

– Tipo II: divisão da cavidade ventricular direita ocorrendo por hipertrofia muscular parietal e septal.

Uma forma possível de obstrução pode ocorrer através de uma banda moderadora anormal (aberrante) com quase total desprendimento da parede septal do VD.

O VD dupla câmara normalmente é diagnosticado na infância, contudo existem relatos de casos na idade adulta.

A maioria dos casos (80-90%) se associa a outras alterações cardíacas, sendo a comunicação interventricular (CIV) o achado mais comum (90% dos casos). Estenose subaórtica, tetralogia de Fallot e anomalia de Ebstein também são relatadas.

Heart Asia 2012;157. doi:10.1136/heartasia-2012-010203

A CIV normalmente é ampla, perimembranosa (nem sempre!) e com shunt para a cavidade proximal de alta pressão. À medida em que a obstrução progride, existe uma tendência de diminuição da CIV, inclusive com poucos relatados de fechamento espontâneo.

CIV muscular com fluxo esquerda-direita. Imagem gentilmente cedida por Dr. Vinicius Caldas.
Mesmo paciente com presença banda muscular anômala e VD dupla câmara. Imagem gentilmente cedida por Dr. Vinicius Caldas.

Postula-se que, nos pacientes com CIV associada, os aumentos do fluxo sanguíneo e da pressão na região da VSVD atuem como um fator estimulante para a hipertrofia da crista supraventricularis e outros tecidos musculares do VD, podendo levar a um quadro de obstrução desta região (estenose subvalvar), usualmente de grau leve.

Normalmente os pacientes apresentam histórico de sopro cardíaco durante a infância e, na fase adulta, podem evoluir com intolerância ao esforço, síncope, angina. Em casos extremos, pode cursar com quadro insuficiência cardíaca direita, denotando um caráter progressivo desta cardiopatia caso não seja realizado tratamento adequado na infância. Endocardite infecciosa é uma complicação relatada na literatura.

À ecocardiografia, podemos observar hipertrofia do VD, hipocinesia com disfunção ventricular direita, dilatação do átrio direito (AD) com sinais de aumento das pressões de enchimento. O estudo com Doppler evidencia um fluxo turbulento em direção à VSVD, observado no eixo curto da janela paraesternal.

A banda muscular anômala se caracteriza como uma estrutura com ecogenicidade semelhante ao endocárdio que atravessa, no eixo transversal, a cavidade ventricular direita. Normalmente são observadas entre as vias de entrada e saída, ao longo da crista supraventricularis e parede livre do VD.

Vale destacar que, em alguns casos, a banda muscular é apenas visualizada no ecocardiograma transesofágico. Nessas situações se observa um fluxo turbulento (presença de mosaico) médio ventricular de alta velocidade pelo estudo transtorácico.

São consideradas de implantação alta quando estão próximas à valva pulmonar e baixa, quando próximas ao ápice do ventrículo direito.

Aqui é importante ressaltar que o ecocardiograma apenas SUGERE a presença da banda muscular anômala, sendo o diagnóstico CONFIRMADO pela ressonância cardíaca, com a caracterização das três camadas do músculo cardíaco.

O tratamento é cirúrgico, com resseção da banda muscular anômala e reparo das outras alterações cardíacas associadas. Normalmente, indica-se a abordagem cirúrgica quando na presença de gradiente de pico médio ventricular > 60 mmHg ou gradiente médio > 40 mmHg, mesmo na ausência de sintomas. Conduta expectante com ecocardiografia seriada pode ser apropriada em casos em que o gradiente médio é < 40 mmHg, na ausência de sintomas.

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marco aguiar

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