A valva aórtica bicúspide é a alteração congênita mais conhecida desta valva (post específico sobre o tema aqui!). Contudo, a presença de uma valva unicúspide ou até quadricúspide pode nos pegar de surpresa. Apesar de raras, é preciso ter conhecimento para um correto diagnóstico, visto que estas alterações têm incidência aumentada entre aqueles pacientes que se submetem a troca valvar aórtica.
A valva aórtica unicúspide é considerada uma condição rara na população geral (0.02%), contudo apresenta incidência aproximada de 5% nos pacientes submetidos a cirurgia de troca valvar aórtica. Frequentemente associada a outras alterações, como aortopatias, a presença de dupla disfunção (estenose + insuficiência) pode chegar a 93% dos casos, ocorrendo entre a 3a e 5a década de vida.
Apesar da literatura não descrever um caráter hereditário, em revisão publicada na Circulation, até 11% dos pacientes com valva aórtica unicúspide apresentam histórico familiar de doença valvar aórtica congênita, podendo, portanto, sugerir um mecanismo genético associado.
É caracterizada por uma zona comissural única, com um orifício valvar excêntrico durante a sístole e folheto arredondado com coaptação em sentido oposto ao da zona comissural (alterações estas consideradas como “maiores” em um critério diagnóstico proposto em publicação da European Heart Journal – Cardiovascular Imaging).
A presença de gradiente médio > 15 mmHg em pacientes < 20 anos e aortopatia (dilatação ou coarctação) associada em pacientes < 40 anos foram considerados critérios “menores” para diagnóstico desta condição.
A valva aórtica quadricúspide, por sua vez, é uma alteração ainda mais rara, sendo descrita como um achado em 0.00028-0.00033% em séries de autópsias, em 0.0059-0.0065% de pacientes que realizam ecocardiograma e em 0.05-1% dos pacientes submetidos a troca valvar aórtica por regurgitação valvar.
Existem duas classificações propostas na literatura:
- A classificação de Hurwitz & Roberts, que se baseia no tamanho relativo do folheto supranumerário, dividindo em 7 diferentes tipos (de A à G), para os quais Vali et al. ainda acrescentou o grupo H. Os tipos A, B e C representam cerca de 85% dos casos, enquanto o tipo D é considerado a forma mais rara de apresentação.
- Classificação de Nakamura et al., com uma abordagem mais simplificada, baseando-se na posição do folheto supranumerário.
A localização do folheto supranumerário, porém, não tem valor prognóstico (progressão para disfunção valvar e indicação de abordagem cirúrgica).
A alteração mais comum é a regurgitação valvar (74.7%), sendo a associada de insuficiência com estenose presente em 8.4% dos casos e estenose pura em apenas 0.7%. Uma valva quadricúspide normofuncionante, ou seja, com evolução benigna tem incidência aproximada de 16.2%. Os diversos possíveis mecanismos prováveis descritos para justificar a progressão para um estado disfuncionante são:
- tensão de cisalhamento desigual entre os folhetos, levando a fibrose e coaptação incompleta (mecanismo mais comum);
- Espessamento com restrição da mobilidade dos folhetos;
- Espessura diferentes dos folhetos, sendo o supranumerário normalmente mais fino e assimétrico;
- Prolapso com ou sem degeneração mixomatosa.
Normalmente é uma alteração congênita isolada, podendo associar-se a outras alterações de forma menos frequente (18-32%), tais como anomalias de artérias coronárias, defeitos dos septos interatrial e interventricular, estenose subaórtica fibromuscular, entre outras.
Muito se discute sobre a profilaxia de endocardite infecciosa nesses pacientes, contudo não há indicação formal para tal conduta pela diretriz americana.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.