O ecocardiograma é uma ferramenta útil na avaliação de embolias sistêmicas, sobretudo quando se suspeita de acidente vascular encefálico (AVE) de origem cardioembólica. Nesse contexto, quando presente, a determinação etiológica de uma massa intracardíaca nem sempre é possível (já que o ecocardiograma não define etiologia), sendo a história clínica do paciente, a forma de apresentação do evento agudo e os antecedentes patológicos elementos fundamentais no direcionamento dos diagnósticos diferenciais.
Trago aqui mais um caso clínico (retirado da internet) como forma de ilustrar uma causa incomum de embolia cerebral de origem cardioembólica.
Paciente do sexo feminino, 58 anos, com diagnóstico prévio de retocolite ulcerativa e em passado de terapia imunossupressora, foi admitida no pronto socorro com cefaleia frontal de início súbito, afasia de expressão (motora ou de Broca), e turvação visual progressiva com 01 hora de duração.
Tomografia de crânio demonstrou hemorragia intraparenquimatosa no lobo frontal direito e angiotomografia evidenciando oclusão do segmento médio da artéria vertebral esquerda. Dado os achados neurológicos “múltiplos“, a possível origem cardioembólica foi sugerida.
Ao estudo ecocardiográfico foi visualizado uma grande massa móvel, complexa, multilobulada nas faces atrial e ventricular da valva mitral, associada a regurgitação valvar moderada. A massa media 1.2×1.7 cm na face ventricular e 1.2×0.7 cm na face ventricular, com característica parcialmente móvel, prejudicando a correta dinâmica valvar.
Neste contexto, foi pensando em mixoma atrial (apesar das características ecocardiográficas não serem sugestivas), contudo, pelo contexto de imunodepressão, a hipótese de endocardite de Libman-Sacks também entrou como uma provável causa.
A paciente evoluiu com novas complicações neurológicas, como amaurose bilateral e hemiplegia à direita. Exames de imagem mostraram oclusão do segmento M1 da artéria cerebral esquerda e a intervenção para recanalização foi complicada por oclusão da artéria femoral direita com necessidade de tromboendarterectomia.
Após o procedimento, foi realizado estudo microscópico do trombo (artéria femoral) cuja análise positivou o PCR para Aspergillus fumigatus. A paciente foi submetida a cirurgia de troca valvar mitral (AVE recorrente), com posterior análise histopatológica da massa.
A valva mitral (figura ao lado) com múltiplas irregularidades grosseiras sobrepostas.
Estudo histopatológico mostrou hyfas septadas (setas vermelhas) consistentes com Aspergillus associada a uma cultura positiva para Aspergillus fumigatus. Foi iniciado Voriconazol para o tratamento da fase aguda e terapia supressora contínua por tempo indeterminado.
Endocardite fúngica é responsável por menos de 2% dos casos de endocardite, contudo sua prevalência vem aumentando com os avanços das terapias médicas, sobretudo com o uso de agentes imunológicos. Existem relatos de aspergilomas cardíacos tanto em valvas nativas como em próteses valvares, sendo as valvas aórtica e mitral mais comumente afetadas. É considerada uma infecção oportunista (20-25% dos casos de endocardite), ocorrendo mais frequentemente em pacientes imunodeprimidos e tem um prognóstico reservado, com taxas de mortalidade chegando a aproximadamente 80%. A abordagem cirúrgica é fundamental para evitar eventos embólicos novos ou recorrentes e permite a análise histopatológica da massa. O tratamento, contudo, requer o uso de agentes antifúngicos intravenosos (voriconazol, anfotericina lipossomal) seguido de terapia oral antifúngica de forma contínua e por tempo indeterminado.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.