
Assim como ocorre na regurgitação mitral, atualmente subdivide-se a insuficiência tricúspide (IT) secundária em atrial e ventricular, de acordo com sua etiologia.
Isso ocorre por duas razões: primeiro, pelo fato da IT funcional atrial importante ser fator de risco para fibrilação atrial e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp), e a progressão da disfunção valvar pode ser manejada com controle do ritmo cardíaco ou terapia direcionada para ICFEp; segundo, a IT funcional ventricular tem particular importância nas terapias intervencionistas transcateter.
Portanto, identificar o mecanismo da regurgitação valvar funcional, seja atrial ou ventricular, tem valor importante com implicações diretas na terapêutica. É verdade, porém, que os critérios utilizados para a definição destas duas apresentam diversas variáveis:

O Tricuspid Academic Research Consortium (TVARC) e o PCR Tricuspid Focus Group concordam em um número importante de variáveis que podem ser úteis na distinção destas duas condições, com uma diferença: o TVARC sugere a utilização da relação área do átrio direito (final da sístole): área do ventrículo direito ≥ 1.5, enquanto que o PCR Tricuspid Focus Group utiliza a relação volume atrial direito (ao final da sístole): volume do ventrículo direito ≥ 1.5.

A razão por trás dessas relações é que elas refletem de forma primária aspectos morfológicos da IT funcional atrial: acentuada dilatação atrial direita, assim como dilatação do anel valvar com um remodelamento ventricular direito tipo cônico (e não mais esférico).
Apesar de parecerem medidas simples, essas relações não foram totalmente validadas como critério para diferenciação de IT funcional atrial e ventricular, bem como não foram estudadas como preditoras de valor prognóstico.
O recentemente publicado EuroTR Registry, com 641 pacientes que foram submetidos a reparo transcateter edge-edge da valva tricúspide (T-TEER) associou a relação área AD : área VD ≥ 1.5 à medida do TAPSE > 17 mm para definir a IT funcional atrial. Esses pacientes com IT funcional atrial tinham um baixo EuroSCORE II e valores menores de NT-proBNP, melhores funções ventriculares (direita e esquerda) e perfil hemodinâmico mais favorável, embora com grau de disfunção valvar semelhante aos pacientes com IT funcional ventricular. E apesar da magnitude semelhante da regurgitação valvar durante o seguimento, foi observada diferença significativa nos desfechos durante o seguimento de 1 e 2 anos.
Clement et al. utilizou um banco de dados extenso de pacientes com IT avaliados pela ecocardiografia tridimensional para determinar o ponto de corte de maior acurácia das relações AD/VD seja pela área ou pelo volume, bem como determinar seus valores diagnósticos relativos e incrementais.
A IT funcional atrial foi definida como associada a dilatação do AD e do anel valvar tricúspide, com volumes normais do VD, fração de ejeção do VD ≥ 45%, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) > 49% e PSAP < 50 mmHg.
Neste sentido, tanto relação AD/VD pelo volume (95% IC, AUC 0.73: 0.68 – 0.78) quanto pela área (95% IC, AUC 0.76: 0.71 – 0.81) mostraram alto poder preditivo para o diagnóstico do fenótipo atrial (P = 0.58). O ponto de corte considerado ótimo foi de 1.4 para a relação pelo volume e de 1.6 para a relação pela área.
Quando realizada a avaliação do desfecho primário composto de morte por todas as causas e hospitalização por insuficiência cardíaca, a análise por Kaplan-Meier demonstrou diferença significativa apenas usando a relação AD:VD pela área com o ponto de corte ≥ 1.6 para definir IT funcional atrial (55% ± 5% x 33% ± 6%), sem haver diferença significativa quando utilizada a relação pelo volume.
Segundo Hahn, este resultado foi, de certa forma, surpreendente dada a excelente variabilidade inter e intraobservador demonstrada pelos autores para a análise tridimensional. Contudo, é importante ressaltar que a acurácia na determinação dos volumes do AD e VD pode diferir em razão do formato complexo da cavidade ventricular direita, o que impacta de forma direta também na medida do volume do AD. Ainda, outras variáveis como hipertensão pulmonar, dilatação do ventrículo esquerdo ou disfunção associada com IT funcional ventricular podem impactar nestas medidas.
Apesar de as relações AD:VD terem sido preditoras de IT funcional atrial, Clement et al. criaram modelos de regressão logística de multivariáveis para identificar outros parâmetros ecocardiográficos de risco para a IT funcional atrial. Foram eles: fração de ejeção do VD, fração de ejeção do VE, PSAP e volume diastólico final do VE. Este modelo de multivariáveis mostrou uma AUC significativamente maior (95% IC, AUC 0.97: 0.95 – 0.98) para o diagnóstico do fenótipo atrial quando comparado com a utilização isolada das relações AD:VD.

Embora ambas as relações por área e volume apresentam acurácia diagnóstica semelhante, apenas a relação pela área se mostrou significativamente associada com sobrevida livre de eventos, quando a análise é realizada pelo estudo bidimensional.
Por ora, conclui Hahn, enquanto os parâmetros de análise pela ecocardiografia 3D ainda necessitem de maiores estudos, as evidências sugerem que a relação AD:VD pela área, com ponto de corte ≥ 1.5 pode ser a chave para a caracterização da IT funcional atrial e identificar aqueles pacientes com melhor prognóstico. Contudo, como quase tudo na ecocardiografia, esta medida não deve ser utilizada de forma isolada e certamente as medidas da funções do VD e AD vão melhorar a capacidade diagnóstica desta condição e ter impacto prognóstico.

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.