A participação dos músculos papilares (MPs) na fisiopatologia da insuficiência mitral (IMi) grave, tanto funcional quanto degenerativa, é assunto de muito interesse na literatura médica.
Sua avaliação, especialmente no contexto de diferentes padrões de remodelamento ventricular, ainda motiva muita pesquisa, sendo objeto de controvérsias.
Em estudos experimentais, sob o intervalo de carga normal e condições inotrópicas, a contração dos músculos papilares geralmente segue as características gerais da contração ventricular esquerda, mas uma isquemia ou atordoamento podem interferir neste curso.
Na IMi isquêmica, por exemplo, a diminuição do encurtamento dos MPs, chamado de disfunção dos MPs, diminui paradoxalmente o grau da IMi. Já na IMi degenerativa, os dados sobre o papel da disfunção dos MPs na dinâmica da regurgitação valvar são escassos.

Este estudo investigou o comportamento funcional dos MPs utilizando o método free strain (CMQ Q-app, Philips), com ênfase na correlação com parâmetros globais de deformação miocárdica. O objetivo, portanto, foi de avaliar e comparar as funções dos MPs entre pacientes com IMi grave (degenerativa e funcional) pelo método free strain.
Foram avaliados 64 pacientes com IMi grave — 39 com IMi degenerativa e 25 com IMi funcional — comparados com um grupo controle de 30 indivíduos sem IMi e com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) preservada. O strain longitudinal dos MPs anterolateral (MPA) e posteromedial (MPP) foi obtido por meio das janelas apicais com aplicação do método free strain. Além disso, o strain longitudinal global (SLG) e o strain circunferencial global (SCG) do ventrículo esquerdo (VE) foram também calculados.

No grupo da IMi degenerativa foram incluídos pacientes com prolapso mitral e/ou ruptura de cordoalhas, todos com FEVE > 60%. Já no grupo da IMi funcional, estavam pacientes com disfunção valvar de etiologia isquêmica (21 participantes) ou não isquêmica, mas com FEVE < 40% (4 participantes).
A avaliação do strain miocárdico longitudinal dos MPs foi feita no corte apical 4C para o MP anterolateral e no corte apical eixo longo (3C) para o MP posteromedial. Dos 110 pacientes, 15% foram excluídos do estudo devido à qualidade inadequada das imagens.
Para medir o strain longitudinal dos MPs, o primeiro ponto de interesse foi selecionado na base do MP no local em que este está conectado à parede do VE. O segundo ponto foi selecionado na ponta do MP com atenção especial para manter uma distância de 3-5 mm das cordoalhas para evitar artefatos. O valor médio do strain foi obtido de três batimentos consecutivos.

O strain longitudinal do VE (SGL) e o strain longitudinal dos MPs mostraram-se significativamente diferentes entre todos os grupos.
O strain do MP posteromedial do grupo controle foi melhor do que nos grupos de IMi. Não foram encontradas, porém, diferenças significativas no strain do MP anterolateral entre os grupos de IMi degenerativa e controle, e ambos os strains do grupo IMi funcional estavam significativamente mais baixos do que os strains longitudinais dos MPs dos grupos controle e IMi degenerativa.

O strain do MP posterolateral teve os menores valores em ambos os grupos com IMi. Já os strains longitudinais e circunferenciais do VE dos três grupos seguiram a mesma ordem que o strain do MP posterolateral e mostram-se melhores no grupo controle do que no grupo com IMi degenerativa, e o grupo com IMi degenerativa teve melhor resultado do que o grupo com IMi funcional.

O strain do MP anterolateral e o strain do MP posteromedial mostram-se altamente correlacionados à FEVE (P< 0.001), strain global longitudinal do VE, assim como ao strain circunferencial do VE entre todos os grupos com IMi.
Já no grupo controle, o strain do MP anterolateral e do posteromedial não estavam correlacionados à FEVE (p = 0.80, p = 0.65, respectivamente), SGL (p = 0.25 p = 0,43, respectivamente) e strain circunferencial (p = 0,63 e p = 0,85, respectivamente).
Não houve correlação estatística entre strain dos MPs e a área efetiva do orifício regurgitante (AEO).
RESUMINDO:
Strains dos MPs:
- MPP foi mais comprometido do que o MPA em ambos os grupos com IMi.
- IMi Funcional apresentou valores significativamente mais baixos de strain dos MPs, refletindo disfunção global mais acentuada do VE.
Strains globais do VE:
- Reduzidos em IMi Degenertiva (-17%) e mais intensamente na IMi Funcional (-9%), em comparação ao grupo controle (-20%).
- O mesmo padrão foi observado no SCG.
Correlação:
- Strains dos MPs correlacionaram-se significativamente com FEVE, SLG e SCG.
- Não houve correlação entre strains dos MPs e a área efetiva do orifício regurgitante (AEO), reforçando que os MPs não são determinantes diretos da gravidade da IM.
Os dados sugerem que os MPs não atuam como etiologia primária da IMi grave, mas sim refletem o grau de disfunção global do VE. A menor deformação do MPP em relação ao MPA pode estar relacionada à sua maior suscetibilidade à fibrose ou necrose, dada sua menor vascularização. Nos casos de IMi funcional, a dilatação e achatamento do anel mitral, junto ao estresse de tração das cordas, justificam a redução funcional mais intensa dos MPs.
Os autores concluem que a aplicação do free strain mostrou-se viável e reprodutível para a análise segmentar dos MPs, sendo uma ferramenta útil para aprofundar o entendimento da mecânica subvalvar. O comportamento dos MPs acompanha a função ventricular global, e sua disfunção isolada tem papel limitado na gênese da IMi grave, tanto degenerativa quanto funcional. O MPP é consistentemente o músculo mais afetado.

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Excelente!
Gostaria de saber como calcular