Se considerarmos que o volume ejetado pelo ventrículo esquerdo (VE) resulta da soma da função dos segmentos basais e apicais, uma diminuição da contratilidade apical (que é o que geralmente ocorre na insuficiência cardíaca), resulta em diminuição do débito sistólico.
Se, à diminuição da função apical, acrescentamos perda do sincronismo de contração (dissincronia) entre os segmentos do VE provocados por bloqueio de ramo esquerdo (BRE), há maior diminuição do volume ejetado pelo VE, portanto do débito sistólico.
Neste cenário, portanto, a terapia de ressincronização cardíaca é uma importante opção terapêutica por restaurar o sincronismo cardíaco, resultando em melhora do volume sistólico do VE em pacientes selecionados. Vale lembrar que esta terapia se propõe a restaurar o SINCRONISMO (condição C para condição B) e não a função do músculo já disfuncionante.
Pacientes com insuficiência cardíaca, FE diminuída e BRE em CF III ou IV, com duração do QRS >150 ms e terapia medicamentosa otimizada são candidatos à terapia de ressincronização.
Em alguns casos especiais, como ocorre na insuficiência mitral tipo IIIb de Carpentier (por doença arterial coronária), a terapia de ressincronização se propõe sincronizar os músculos papilares com a finalidade de diminuir a regurgitação da valva, podendo haver FE >35% e ausência de BRE.
Na seleção de pacientes deve ser usada a multimodalidade, cabendo à ecocardiografia papel de destaque na identificação das regiões dissincrônicas.
A forma mais antiga de detectar as regiões de dissincronismo é o mapeamento do VE com Doppler tissular, sendo calculado o tempo entre o início do QRS do ECG e o início da onda s’ do Doppler tissular em, pelo menos, 12 regiões do VE:
- No corte de 4 câmaras, paredes ínfero-septal e anterolateral basal e média;
- No corte de 2 câmaras, paredes inferior e anterior basal e média;
- No corte de 3 câmaras paredes inferolateral e antero-septal basal e média.
Uma diferença maior que 65 ms entre as paredes com menor e maior intervalo indica dissincronismo, sendo a parede com maior retraso considerada a dissincrônica.
Quando se utilizam os parâmetros que avaliam a deformação miocárdica, o método mais adequado é o strain radial, comparando o dissincronismo entre as paredes, assim como o tempo ao pico da deformação de cada segmento.
O strain radial apresenta excelente correlação, já demonstrada na literatura, com o Doppler tissular (r de 0,93 para a parede antero-septal e 0,83 para a parede inferolateral). Através de uma análise estatística entre respondedores e não respondedores à terapia de ressincronização, foi estabelecido um valor de corte de 130 ms, acima do qual se considera dissincronia.
O valor de 130 ms para strain radial do VE permite separar respondedores (aumento do volume sistólico > 15%) de não respondedores da terapia de ressincronização. Para a resposta imediata a sensibilidade foi de 91% e a especificidade 75% e para a resposta tardia (6 meses após o procedimento) a sensibilidade foi de 89% e a especificidade 83%.
Outro estudo mostra que, ademais do strain radial obtido pelos cortes paraesternais de eixo curto, também pode ser utilizado o strain transversal obtido desde os cortes apicais, com sensibilidade e especificidade semelhantes, conforme pode ser visto na Tabela 1 e Figura 8.
O strain longitudinal e circunferencial falharam em detectar dissincronia em um terço dos pacientes, mas foram bons preditores de boa resposta quando o dissincronismo já estava diagnosticado pelo strain radial e transversal.
A seguir, o exemplo de uma paciente de 43 anos, sexo feminino, com insuficiência mitral importante, tipo IIIb de Carpentier, secundária a infarto do miocárdio lateral, em uso de beta bloqueadores e diuréticos, CF III, com FE do VE de 38%, na qual foi indicada a terapia de ressincronização para tentar diminuir o refluxo mitral.
Exame realizado na paciente da Figura 10.9 seis meses após a terapia de ressincronização, com o eletrodo ressincronizador inserido na parede anterolateral média do VE (círculo). Observa-se diminuição do refluxo mitral, agora discreto, melhora da FE (58%), diminuição da CF para CFI e do dissincronismo para um intervalo de 85 ms.
As recomendações atuais para selecionar pacientes para terapia de ressincronização indicam a utilização de vários métodos de diagnóstico com a finalidade de melhorar o número de pacientes respondedores ao procedimento.
O mapeamento com Doppler tissular e o strain radial e transversal são indicadores para identificar o dissincronismo e localizar o segmento a ser ressincronizado.
A RMC é utilizada para verificar áreas de fibrose, e evitar posicionar o eletrodo ressincronizador nas mesmas.
Para avaliação da anatomia do sistema venoso pode ser utilizada a tomografia computadorizada, permitindo determinar se a região a ser ressincronizada pode ser alcançada pelo cateterismo.
Quando se utiliza a multimodalidade na seleção de pacientes para a terapia de ressincronização, observa-se significativo aumento dos pacientes que respondem ao procedimento. Na grande maioria dos casos o eletrodo ressincronizador é posicionado entre as paredes anterolateral e inferolateral.
Esta publicação foi baseada no resumo do capítulo 10 do novo livro de Strain, do Prof Castillo, que será lançado no próximo congresso do DIC em Brasília. Um lançamento que vale a pena ficar de olho !!!!
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.