Na postagem anterior falamos um pouco sobre o critério para diagnóstico de prolapso da valva mitral (PVM) e sobre a importância de um olhar cuidadoso para diferenciá-lo do billowing mitral.
Aqui no blog já falamos também sobre os red flags para as alterações associadas ao PVM que podem ser relacionar com a síndrome arrítmida do PVM – a dita forma maligna do PVM, bem como sobre as características das etiologias degenerativas que podem levar a importante disfunção valvar.
- Disjunção do anel mitral – https://blog.escolaecope.com.br/disjuncao-do-anel-mitral-importancia-na-pratica-clinica/
- Pickelhaube Sign – https://blog.escolaecope.com.br/pickelhaube-sign-ja-ouviu-falar/
- O que é Doença de Barlow – https://blog.escolaecope.com.br/o-que-e-a-doenca-de-barlow/
- Doença Mitral Degenerativa – https://blog.escolaecope.com.br/doenca-valvar-mitral-degenerativa-deficiencia-fibroelastica-x-doenca-de-barlow/#more-6109
Podemos concluir, portanto, que precisamos dividir o PVM em três diferentes formas de apresentação: síndrome arrítmica; etiologia degenerativa; e a forma dita “benigna“.
Contudo, será que a apresentação usual do PVM realmente tem uma evolução benigna assim? Uma publicação do Circulation de 2016 avaliou pacientes, de forma retrospectiva, oriundos do estudo Framinghan, com um seguimento de 16 anos para observar a evolução do PVM.
O estudo dividiu os pacientes em 4 diferentes categorias: pacientes com prolapso da valva mitral; pacientes com alterações morfológicas que não preenchem critério para o diagnóstico de PVM – nondiagnostic PVM morphologies (NMD). Este grupo foi dividido em dois subgrupos (deslocamento sistólico mínimo – MSD e coaptação anormal anteriorizada – AAC); e o grupo controle.
O diagnóstico de PVM seguiu o critério usual, com protrussão/movimento sistólico posterior de algum segmento do folheto valvar > 2 mm associado a mudança do plano do ponto de coaptação.
Já o grupo que engloba as alterações morfológicas que não preenchem critérios para PVM foi dividido deslocamento sistólico mínimo (minimal systolic displacement – MSD) e outro caracterizado por ponto de coaptação anormal anteriorizado (abnormal anterior coaptation – AAC).
Vamos entender o que seria a coaptação anormal anteriozada – AAC: o folheto anterior da valva mitral (A) usualmente é maior que o posterior (P). Por isso, o ponto de coaptação dito habitual se dá mais próximo à parede inferolateral (mais posteriormente) quando comparado com o septo interventricular (imagem da esquerda); em situação anormal (imagem da direita), por um alongamento do folheto posterior (P), o ponto de coaptação se torna mais anterior (mais próximo do septo interventricular).
A distância entre o anel posterior e o ponto de coaptação, representada pela letra C, foi considerada habitual (normal) quando < 40% em relação ao diâmetro total do anel valvar. Por outro lado, o estudo considerou > 40% o ponto de corte para considerar como coaptação anteriorizada e, portanto, anormal.
A análise levou em considerações as alterações relacionadas ao aumento do diâmetro do anel valvar mitral, deslocamento dos folhetos valvares, espessura dos folhetos, grau de protrussão (billowing) dos folhetos, plano/nível da coaptação valvar e graduação da regurgitação mitral ao longo dos anos.
Aqui, vale destacar, que alguma medidas não seguiram as atuais recomendações das diretrizes vigentes (lembrem-se que foi uma análise retrospectiva de um estudo de muitos anos atrás!). O grau de regurgitação mitral, por exemplo, foi aferido pela altura/distância do jato regurgitante dentro do átrio esquerdo nas janelas paraesternal longitudinal ou apical 3C.
Um jato ≤ 2 mm de “altura” foi considerado como fisiológico; entre 2-4 mm, considerado leve; e ≥ 5 mm, moderado.
O estudo demonstrou que pacientes do grupo PVM, ACC e MSD, quando comparados com os pacientes controle, tinham folhetos mais espessados (p < 0.05.). Maior regurgitação valvar e billowing foram observados nos pacientes PVM e AAC em relação ao controle.
Entre os pacientes AAC, 80% evoluíram com prolapso do folheto posterior. Já os pacientes do grupo MSD, 17/50 (35%) progrediram para PVM (12 = 4 prolapso de ambos os folhetos, 1 prolapso do folheto anterior e 9 prolapso do folheto posterior) ou para AAC (5 pacientes).
Entre os pacientes com PVM, foram observados maior deslocamento posterior, espessura dos folhetos e maior grau de regurgitação valvar comparando com o grupo controle (p < 0.05). 17% dos pacientes, ao longo de seguimento, apresentaram piora do grau de regurgitação (moderado ou superior), com 02 casos de flail e com necessidade de troca valvar em 8%. O prolapso do folheto posterior foi predominante (44% dos pacientes).
O estudo conclui que o PVM é uma condição heterogênea, com apresentação variável, e que a forma NDM pode ser considerada um estágio inicial deste processo, inclusive sugerindo que pacientes NDM sejam classificados como Estágio A ou sob risco de desenvolver regurgitação mitral progressiva.
Um detalhe importante é que não houve diferença significativa nas dimensões do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo (VE), ou função sistólica do VE entre os 4 grupos, confirmando o caráter primário da disfunção valvar neste contexto.
Por fim, ao evidenciar que houve progressão para regurgitação mitral significativa em torno de 1/4 dos pacientes com PVM ao longo dos 16 anos de seguimento, o estudo sugere que a história natural desta condição não seja tão beniga quanto se pensava anteriormente.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.