Avaliação do Átrio Esquerdo no Acidente Vascular Encefálico Cardioembólico: PADS Score

O acidente vascular encefálico (AVE) é uma importante causa de morbimortalidade mundo à fora. De forma geral, cerca de 1/3 dos pacientes com AVE isquêmico (AVEi) não tem uma causa etiológica imediatamente identificada, sendo, portanto, classificados como AVE embólico de fonte indeterminada.

Contudo, quando realizado uma investigação mais completa, uma parcela significativa desses pacientes (> 30%) classificados como de fonte indeterminada, tem a fibrilação atrial (FA) paroxística como fator causador do AVEi.

A gente sabe, porém, que, na prática, documentar (flagrar) um episódio de FA paroxística pode ser um verdadeiro desafio e, apesar de existirem estratégias com implante de dispositivos como loop recorder, essa conduta acaba sendo não tão viável quando pensamos em política pública de saúde para a população geral (custo efetividade!).

Desta forma, identificar aqueles indivíduos que estão sob maior risco de apresentar FA é uma etapa crucial para se estabelecer medidas efetivas na tentativa de prevenir o AVEi cardioembólico.

European Journal of Preventive Cardiology (2023) 00, 1–10

Estudo unicêntrico, retrospectivo, com pacientes submetidos a implante de loop recorder para detecção de FA após AVEi de causa não determinada realizado entre 2009 e 2019.

Os pacientes tinham eletrocardiograma em ritmo sinusal antes do implante do dispositivo, bem como já tinham realizado Holter 24h sem documentação de FA. Ainda, ecocardiograma transtorácico, transesofágico e com bolhas (macro e micro) também já realizados para descartar outras fontes etiológicas como causa do evento isquêmico cerebral. Pacientes com forame oval patente (FOP), na ausência de aneurisma de septo interatrial, foram mantidos no estudo.

Todos os pacientes realizaram Doppler de carótidas e vertebrais, angiotromografia computadorizada (AngioTC) ou angioressonância para descartar obstrução significativa (>50%) de vasos intra e extra cerebrais.

Quanto a avaliação ecocardiográfica do átrio esquerdo (AE), além das medidas convencionais, a dissincronia atrial (atraso eletromecânico do AE) foi determinada a partir da onda P no traçado eletrocardiográfico até a onda A´ pelo Doppler tissular do anel mitral lateral. Este intervalo de tempo foi denominado como PA-lateral.

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Além disso, foi realizada a análise do strain do átrio esquerdo nas suas diferentes fases.

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Um total de 323 pacientes foram incluídos no estudo. O seguimento médio foi de 710 dias. Desses, 152 (47.1%) apresentaram episódios de FA. O tempo médio do implante do loop recorder até a documentação da FA foi de 177 dias e do tempo do AVEi prévio, foi de 421 dias.

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A idade média dos pacientes foi de 54.7 anos, com o grupo que apresentou FA sendo composto por indivíduos mais velhos (59.3 ± 13.8 vs. 50.5 ± 14.4, P < 0.0001). 126 pacientes eram do sexo feminino (39%) e a hipertensão arterial foi achado frequente em ambos os grupos (com e sem FA).

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O índice de massa do ventrículo esquerdo (VE) foi significativamente maior no grupo com FA (P = 0.046), refletindo maior prevalência de hipertensão arterial (HAS) neste grupo (P = 0.019). Ainda, todas as 3 fases do strain do AE foram significativamente mais comprometidas nos pacientes que apresentaram FA (P < 0.05 para as fases de reservatório, bomba e conduto).

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Dos 117 pacientes com FOP, 47 (40.2%) apresentaram algum episódio de FA documentado pelo loop recorder, enquanto que dos demais 206 pacientes sem FOP, 105 (51%) tiveram FA (P = 0.06).

A FA foi documentada nos primeiros 06 meses de seguimento em 79 (52%) dos pacientes, entre 06-12 meses de acompanhamento em 29 (19.1%) pacientes, e apenas durante o segundo ano de seguimento em 30 (19.7%) pacientes. 15 pacientes (9.9%) tiveram a documentação de algum episódio de FA somente após o segundo ano de monitoramento.

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Após análise estatística, apenas variáveis com P < 0.1 foram levadas em consideração e o aumento do intervalo PA-lateral (OR: 1.011), idade avançada (OR: 1.035), pressão arterial diastólica (PAD) elevada (OR: 1.027) e strain do AE fase de reservatório anormal (OR: 0.973) foram incluídos no score de risco proposto no estudo denominado PADS Score. A probabilidade de identificar FA foi estimada pela seguinte fórmula:

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Utilizando este Score, pode se estabelecer o risco de desenvolver FA nos próximos 03 anos (tempo de duração da bateria do loop recorder).

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Por exemplo, um paciente com AVEi de causa indeterminada e com PA-lateral 81 ms, 64 anos de idade, PAD 86 mmHg e strain do AE fase de reservatório de 17% apresenta um risco absoluto de apresentar FA nos próximos 03 anos de 70%. Por outro lado, uma pessoa com PA-lateral 40 ms, idade de 37 anos, PAD 61 mmHg e strain de AE fase de reservatório de 45%, tem risco de 12.3%.

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Vamos entender melhor…

A maioria dessas variáveis já foram documentadas, em outros estudos, como fator de risco para FA. Idade avançada já foi um importante fator incorporado em outros scores de risco para FA. A PAD, por sua vez, reflete um aumento da pressão atrial e também é sabidamente fator de risco para FA. Como dito no início, o PA-lateral é marcador de dissincronia do AE e se associa, de forma independente, com maior risco de FA. O strain do AE fase de reservatório, por sua vez, traduz função do átrio esquerdo.

O modelo de risco proposto pelo estudo utiliza a probabilidade de apresentar FA em procentagem, classificando pacientes com riscos “elevado” (>50%), “intermediário” (20-50% ou ” baixo” (<20%). Desta forma, aqueles com risco intermediário e elevado de desenvolver FA poderiam se beneficiar do emprego da terapia anticoagulante, considerando o risco x benefício do uso dessas medicações.

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Estudo que incorporou variáveis de análise ecocardiográfica do átrio esquerdo para estimar o risco de desenvolver FA no futuro. A avaliação do AE, sobretudo com o uso do strain, vem ganhando cada vez mais importância na prática clínica, embora ainda seja muito subutilizada na rotina do ecocardiografista.

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