Dando continuidade ao resumo da nova diretriz sobre avaliação da função diastólica da ASE, vamos citar aqui algumas condições especiais que podem fazer com que haja modificações na relação entre os índices de função diastólica e as pressões de enchimento do ventrículo esquerdo (VE).
DOENÇA VALVAR:
Estenose Mitral: normalmente, pacientes com estenose mitral (EMi) possuem pressão diastólica do VE normal ou reduzida, com exceção daqueles casos em que há existência de doença miocárdica associada à doença valvar.

Os mesmos achados hemodinâmicos se aplicam aos pacientes com outras etiologias de obstrução do fluxo de entrada do VE, como tumores atriais obstrutivos ou cor triatriatum.
Nessas situações, um TRIV reduzido (<60 ms) e uma velocidade de onda A > 1.5 m/s são achados indicativos de aumento da pressão atrial esquerda.
O intervalo de tempo entre o ínicio das ondas E e e´ – Intervalo TE-e’ (TE= intervalo pico de R do ECG e pico da onda E mitral; Te’= intervalo pico de R e pico de e’ do Doppler tissular; TE-e’ = Te’ – TE) pode ser aplicado para a estimativa das pressões de enchimento em pacientes com doença valvar mitral.
Na presença de relaxamento ventricular esquerdo reduzido, a velocidade da onde e´ encontra-se reduzida e atrasada, enquanto que a onda E ocorre mais precocemente, levando a um aumento do TE-e’ .

Neste contexto, a relação E/e´ não é um parâmetro útil.

Insuficiência Mitral: na insuficiência mitral (IMi) primária há um aumento tanto do átrio esquerdo (AE) quanto do ventrículo esquerdo (VE) com consequente aumento da complacência de ambas as cavidades, o que, por sua vez, atenua o aumento da pressão atrial (que se correlaciona à regurgitação valvar e não à doença miocárdica).
Contudo, na presença de disfunção diastólica, o aumento da pressão diastólica do VE contribui para o aumento da pressão atrial. Esta sequência é justamente o oposto do que acontece nas doenças primárias do miocárdico, como na cardiomiopatia dilatada, em que há inicialmente um aumento da pressão diastólica do VE levando, posteriormente, a uma IMi funcional.

Nos casos de IMi moderada e importante, normalmente há um aumento da velocidade da onde E mitral e uma diminuição da velocidade sistólica do fluxo da veia pulmonar, assim como da relação S/D. A presença de onda S reversa pode ser observada na IMi severa.
A duração Ar-A é um bom indicador de aumento das pressões de enchimento e independe do grau da disfunção valvar mitral.
Nos pacientes com fração de ejeção (FE) reduzida, um aumento da relação E/e´ tem relação direta com o aumento da pressão atrial e serve como parâmetro preditor de hospitalização e mortalidade. Já nos pacientes com FE preservada, esta relação não parece ser útil.

Calcificação do Anel Mitral (MAC): frequentemente acompanhada de outras condições, como cardiopatia hipertensiva, esclerose valvar aórtica, doença arterial coronária (DAC) e doença renal crônica, é prevalente da população idosa.
Nos pacientes com calcificação moderada e importante do anel mitral, há uma redução do orifício valvar mitral levando ao aumento das velocidades do fluxo transvalvar mitral diastólico, enquanto que a velocidade da onda e´ linha lateral pode estar reduzida pelo efeito mecânico da calcificação e consequente redução da excursão do anel valvar lateral. Assim, um aumento da relação E/e´ pode ocorrer neste contexto.

Pressões de enchimento do VE estão usualmente normais quando a relação E/A < 0.8 e elevadas quando a relação E/A está > 1.8. Uma relação E/A entre 0.8-1.8 deve ser complementada com a medida do TRIV. Esta, por sua vez, indica aumento das pressões de enchimento quando < 80 ms.

Estenose Valvar Aórtica: a presença de disfunção diastólica prediz desfechos negativos em pacientes com estenose aórtico (EAo) moderada e importante. Por outro lado, uma melhora da função diastólica após a troca valvar, seja por cirurgia convencional ou por técnica transcateter, se associa a uma baixa taxa de eventos adversos.
De forma geral, a avaliação da função diastólica no contexto de estenose aórtica (EAo) não difere do algoritmo padrão para a população geral. Porém, na presença de calcificação do anel valvar mitral associada, recomenda-se o algoritmo de MAC para avaliar a função diastólica.
Insuficiência Aórtica: nos pacientes com insuficiência aórtica (IAo) importante, o jato regurgitante pode atrapalhar a avaliação do fluxo mitral e, portanto, o posicionamento adequado do volume amostra deve ser realizado de forma cuidadosa para evitar contaminação pela IAo.
Nos casos de IAo aguda, um período diastólico de enchimento menor leva a um fechamento prematuro da valva mitral, como também pode levar a uma IMi diastólica. Ambos são indicadores de aumento das pressões de enchimento.
Já na IAo crônica, o fluxo mitral habitualmente apresenta um padrão de enchimento diastólico precoce com diminuição do tempo de desaceleração (TDA) da onda E mitral.
A presença de aumento do átrio esquerdo, E/e´ > 14, LARs < 18% e VRT > 2.8 m/s indicam aumento das pressões de enchimento.

HIPERTENSÃO PULMONAR:
A avaliação das pressões de enchimento em pacientes com hipertensão pulmonar (HP) moderada ou importante do grupo I e dos grupos III e IV requer uma abordagem diferente quando comparados com aqueles pacientes com HP em decorrência de doença cardíaca esquerda ou do grupo II de HP.
Como a HP se associa com elevação das pressões (sistólica e diastólica) tanto do ventrículo direito quanto do átrio direito, há com frequência um achatamento do septo interventricular e, com isso, a relação E/e´ lateral deve ser utilizada para avaliar as pressões de enchimento em comparação com a relação E/e´ média.
Nos pacientes com HP, uma relação E/e´ lateral > 13 reflete aumento das pressões de enchimento, enquanto que valores < 8 são consistentes com pressões normais. Valores entre 8-13 apresentam fraca ou nenhuma relação com as pressões de enchimento do VE, podendo levar a casos indeterminados.
Neste cenário, a combinação com a relação E/A ou com o LARs (<16%) é capaz de identificar aqueles com aumento das pressões de enchimento com boa acurácia.


Ainda, é possível fazer a diferenciação entre HP pré e pós capilar utilizando a relação E/A.

CARDIOMIOPATIA RESTRITIVA:
Composto por um grupo heterogêneo de doenças miocárdicas, tem na amiloidose cardíaca seu principal exemplo. Caracterizam-se por patologia restritiva, ou seja, pelo rápido aumento da pressão diastólica do VE associada a apenas um pequeno aumento do volume ventricular esquerdo em razão da rigidez miocárdica aumentada.
Normalmente, nas fases iniciais da doença temos um padrão de disfunção diastólica que pode variar entre grau I ou grau II. Contudo, nos estágios mais avançados temos o típico padrão restritivo de disfunção grau III. Aqui, veremos uma relação E/A > 2.5, TDA < 150 ms, TRIV < 50 ms, velocidades das ondas e´ (lateral e septal) acentuadamente diminuídas (3-4 cm/s), strain global longitudinal reduzido (porém strain radial e circunferencial preservados) e LARs diminuído.

Nos casos de amiloidose cardíaca avançada, podemos ter o “5-5-5 sign”, com as velocidades sistólica, diastólica precoce e diastólica tardia do anel mitral reduzidas, todas menores que 5 cm/s.

FIBRILAÇÃO ATRIAL:
Aqui reside um grande desafio para a avaliação da função diastólica em razão do aumento da frequência cardíaca, ausência de contração atrial organizada, variação entre a duração dos ciclos cardíacos e pela frequente associação com aumento do AE.
Vale destacar que, no contexto de fibrilação atrial (FA), não existe nenhum parâmetro de avaliação que seja, de forma isolada, suficiente para determinar disfunção diastólica. Mesmo utilizando uma abordagem multiparamétrica, a acurácia para diferenciar pressões de enchimento normais ou elevadas é apenas moderada.

Em pacientes com FE reduzida, um TDA < 160 ms pode indicar aumento das pressões de enchimento. TRIV < ou igual a 65 ms, TDA velocidade diastólica da veia pulmonar < ou igual a 220 ms, VRT > 2.8 m/s e E/e´ septal > ou igual a 11 são outros parâmetros que devem ser avaliados.


Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.