Aqui no blog já discutimos, em postagens anteriores, sobre os mixomas, destacando as variáveis ecocardiográficas.
Sendo o tumor cardíaco primário mais comum (70%), sobretudo nos adultos, é muito provável que, em algum momento, você se depare com um durante sua prática ecocardiográfica.
É importante lembrar, portanto, que sua apresentação habitual ocorre mais frequentemente no átrio esquerdo, normalmente com base de implantação na fossa oval do septo interatrial, sendo pedunculado em até 90% dos casos.
Pode ter morfologia variável (polipóide x papilar/viloso), geralmente apresenta mobilidade e possui ecogenicidade heterogênea. A apresentação clássica inclui obstrução de via de entrada do ventrículo esquerdo (VE), embolização distal e sintomas constitucionais (pela secreção de interleucina-6).
Contudo, como tudo na vida (rsrsrs), uma apresentação incomum pode se fazer presente. Aqui, por exemplo, já relatamos um caso de mixoma em dispositivo oclusor de defeito do septo interatrial (VER AQUI).
Dessa vez vou trazer um relato de caso do periódico CASE (clique aqui) de uma forma rara e pouco relatada na literatura.
Paciente, 20 anos de idade, com diagnóstico prévio de anemia, admitido no pronto socorro com desconforto respiratório e calafrios. Tinha um histórico vasto de diferentes sintomas e muitas admissões na emergência nos últimos seis anos.
Neste intervalo, já havia apresentado lesões cutâneas (pápulas) avermelhadas dolorosas e transitórias nos dedos dos pés e das mãos associadas à sudorese e calafrios, desencadeadas durante exercício físico. Ainda, já havia apresentado episódio de síncope seguido de afasia após aula de educação física, e também já apresentou episódio de dor torácica associada a febre recorrente com calafrios.
Durante todo esse período atribuíram os sintomas à anemia e o paciente foi submetido à reposição oral de ferro.
No momento, o paciente apresentava-se taquidispneico e com calafrios, porém com ausculta pulmonar normal. Chamava atenção uma elevação de troponina e de D-dímero (7x o limite superior). Eletrocardiograma demonstrava taquicardia sinusal e a radiografia de tórax, área cardíaca normal e leve congestão pulmonar.
Paciente foi, então, submetido a angiotomografia de tórax com protocolo para tromboembolismo pulmonar e realizou um ecocardiograma.
O ecocardiograma evidenciou grandes massas biatriais, ambas prolapsando para o interior dos ventrículos durante a diástole. Ao modo-M (Sim! Ele é importante), ficou demonstrado obstrução do orifício valvar mitral pela massa durante a diástole. A análise pelo Doppler ficou extramamente prejudicada dada a natureza móvel das lesões, mas a regurgitação mitral foi classificada como leve a moderada. AngioTC confirmou embolia segmentar em lobo pulmonar esquerdo.
Pela idade do paciente, quadro clínico (eventos embólicos recorrentes) e pelas características das lesões (heterogêneas, pedunculadas e com implantação no septo interatrial) a principal hipótese diagnóstica foi de mixoma cardíaco (posteriormente confirmada com análise histopatológica).
O paciente foi submetido à cirurgia cardíaca e o ecocardiograma transoperatório demonstrou: massa no átrio esquerdo medindo 2,7 x 7,0 cm e a massa do átrio direito com 2,8 x 6,5 cm, ambas aderidas ao septo interatrial na região da fossa oval.
Novo exame realizado após a ressecção demonstrou regurgitação mitral severa com prolapso dos segmentos A2 e A3 do folheto anterior, resultado do dano direto pelo prolapso do mixoma. A valva em si não apresentava aspecto mixomatoso.
Foi, então, realizado plastia mitral com implante de duas neocordas (seta branca) e anel de anuloplastia, com bom resultado final.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.