O miocárdio não compactado (MNC), também designado como persistência do miocárdio esponjoso ou cardiomiopatia espongiforme, é caracterizado por trab eculações proeminentes e numerosas, com recessos intertrabeculares profundos que se comunicam com a cavidade do ventrículo esquerdo (VE). É classificado como uma cardiomiopatia de cunho genético, pela Associação Americana de Cardiologia, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) o consideram uma cardiomiopatia não classificada.
Originado pela interrupção no processo de compactação miocárdica no primeiro trimestre da vida intrauterina, de forma que o miocárdio fica composto de duas camadas: uma externa (C) e outra interna não compactada (NC), sem comunicação com as artérias coronárias.
Acredita-se que quanto mais precoce essa interrupção no período embrionário maior o grau de disfunção ventricular e mais extensas as trabéculas.
O padrão de herança mais comum é autossômico dominante e a mesma mutação pode levar a diferentes fenótipos, como MNC, miocardiopatia dilatada até miocardiopatia hipertrófica ou associações dentro de uma mesma família.
Vários estudos têm demonstrado que a prevalência vem aumentando, sendo a terceira causa de miocardiopatia em crianças, depois da dilatada e da hipertrófica. É essencial que se faça o rastreio familiar para detecção precoce da doença, já que estudos mostram comprometimento familiar pela doença de 17-50% dos casos, sendo a maioria assintomática.
Os exames mais importantes para o diagnóstico da doença são o ecocardiograma (primeira linha por ser mais acessível) e ressonância magnética cardíaca (padrão ouro). O diagnóstico, contudo, não deve ser exclusivamente fundamentado apenas nos achados das diversas modalidade de imagem: pelo menos 8% dos desportistas preenchem um critério diagnóstico ecocardiográfico para MNC; 43% dos indivíduos saudáveis apresentam-se com critério diagnóstico pela ressonância magnética cardíaca quando considerado o critério diagnóstico de Petersen.
Critérios diagnósticos
- Critérios de Chin et al (Califórnia):
- Presença de X/Y < ou igual a 0,5, em que: X = distância da superfície epicárdica até o recesso trabecular; Y = distância da superfície epicárdica até o pico das trabeculações.
- Esses critérios são utilizados para trabéculas do ápice do VE, em cortes paraesternal de eixos curto e apical, no final da diástole.
- Critérios de Jenni et al. (Zurique):
- Ausência de alterações cardíacas coexistentes;
- Espessamento da parede miocárdica do VE com duas camadas: C e NC, preenchida por sangue vindo da cavidade ventricular;
- Relação NC/C > 2 no eixo curto, no final da sístole;
- Localização das trabéculas é geralmente nas paredes apical, mediolateral e medioinferior do VE.
- Critérios de Stöllberger et al. (Viena):
- Presença de três ou mais trabéculas na parede ventricular esquerda, apicais em relação aos músculos papilares, visíveis em um único plano de imagem;
- Trabéculas apresentam a mesma ecogenicidade do miocárdio e apresentam movimento sincrônico com a contração ventricular;
- Espaços intratrabeculares são preenchidos por sangue vindo da cavidade ventricular, visualizados ao Doppler colorido;
- Imagem obtida em corte apical 4C;
- Realizar diferentes cortes para obter melhor definição da imagem e diferenciar de falsas cordas e bandas aberrantes;
- Relação NC/C > 2 no eixo curto, no final da diástole.
Kohli et al. comparou esses critérios e foi observado que apenas 29,9% dos pacientes com diagnóstico prévio de MNC preenchiam os três critérios. Além disso, 8% dos indivíduos saudáveis preencheram 1ou mais critérios. Dessa forma, embora o critério de Jenni et al. seja o mais utilizado na prática clínica, o ideal é que os três critérios ecocardiográficos sejam preenchidos para se estabelecer o diagnóstico.
Alguns cuidados são necessários no que concerne o aspecto técnico, devendo-se evitar avaliação da trabeculação no aparato subvalvar (as cordas podem ser erroneamente consideradas trabéculas); janelas oblíquas são interessantes na pesquisa de trombo intracavitário, porém pode superestimar a relação entre as camadas NC/C; achados frequentes podem estar associados nos pacientes com MNC, como falsa corda na região apical do VE, fragmentação do músculo papilar e prolapso da cúspide posterior por alteração do posicionamento e fragmentação do músculo papilar.
Espero que tenha gostado e até a próxima publicação!
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Bom artigo.
[…] genética rara, com alteração miocárdica que tem origem no período embrionário e já revisada aqui no blog. Desta vez, vamos trazer um relato de caso (adaptado para o modelo do blog) publicado pela […]
Obrigada Caio, como sempre Brilhante!!!
Muito obrigado, Daniella
A miocárdiopatia não compactada só acomete o ventriculo esquerdo? O ventriculo direito também pode ser afetado?
Acomete ambos os ventrículos, embora o diagnóstico do ventrículo direito seja mais difícil devido às trabeculações do mesmo. De qualquer forma, tanto para VE como para VD o padrão-ouro é a ressonância magnética.
[…] patológica chamada miocárdio não compactado (assunto já discutido aqui no Blog – LINK ). Sabemos que essa condição pode se manifestar em qualquer faixa etária, já relatada inclusive […]
Oi tudo bem, eu tenho essa condição no coração, como os cardiologista costuma a me falar tenho uma raridade, tenho 36 anos e faço acompanhamento no hospital de base de são José do Rio preto, sp
Olá, Graciela. Tudo bem? O importante é sempre manter o acompanhamento cardiológico regular e seguir as recomendações dos seus médicos. Forte abraço