Insuficiência Aórtica: aspectos ecocardiográficos

A insuficiência aórtica (IAo) caracteriza-se pelo refluxo sanguíneo da aorta para o ventrículo esquerdo (VE) causado pela má coaptação das válvulas aórticas. A regurgitação pode resultar de anormalidades dos folhetos valvares, das estruturas de suporte (anel e raiz aórtica) ou ambas. Diversas classificações têm sido propostas e, atualmente, a adaptação da classificação de Carpentier (designada originalmente para a valva mitral) tem auxiliado no entendimento do mecanismo, na seleção das técnicas de reparo e na predição de recorrência.

Classificação de Carpentier adaptada para IAo

O tipo I está associado a lesões da raiz da aorta, com mobilidade normal das válvulas, sendo subdividida em quatro subtipos. No tipo II, observa-se mobilidade aumentada das válvulas, relacionada com prolapso secundário à redundância e/ou ruptura comissural. Já o tipo III, está relacionado com a restrição da mobilidade das válvulas, observada em valvopatias congênitas, doença reumática, degeneração fibrocálcica ou qualquer outra causa de espessamento, fibrose ou calcificação valvar.

Etiologicamente, doenças que afetam primariamente as válvulas incluem a valva aórtica bicúspide e outras anormalidades congênitas, como a CIV perimembranosa, por exemplo. Dentre as anormalidades adquiridas, destacam-se a doença reumática, processo degenerativos, doenças do tecido conjuntivo e inflamatórias (aortite sifilítica, arterite de Takayasu), endocardite infecciosa, lesões secundárias ao uso de drogas, à radiação, ao trauma e lesões causadas pelo jato de alta velocidade nas estenoses subaórticas.

A- valva bicúspide com abertura laterolateral; B – valva bicúspide com rafe; C – valva bicúspide com abertura anteroposterior; D – valva quadricúspide

Dentre as doenças que afetam primariamente o anel e a raiz aórtica, estão a dilatação idiopática, síndrome de Marfan e outras doenças do tecido conjuntivo (Loeys Deitz, Ehlers-Danlos), doenças autoimunes (Lúpus, Espondilite Anquilosante, Síndrome de Reiter), hipertensão arterial sistêmica, dissecção de aorta e ectasia ânulo-aórtica.

b – degeneração fibrocalcífica; c – dissecção tipo A; d – ectasia do seio aórtico; e – ectasia de aorta ascendente; g – etiologia reumática

Avaliação pelo Doppler colorido

o Doppler colorido é considerado primordial na quantificação da gravidade da IAo, uma vez que proporciona a visibilização da origem e tamanho do jato (vena contracta – VC), demonstra a orientação espacial dentro da câmara receptora, assim como o fluxo de convergência no orifício regurgitante.

  • Área do Jato: a largura do jato regurgitante comparada ao diâmetro da via de saída do VE é considerada um método semiquantitativo na avaliação de refluxos centrais, obtido pelo corte paraesternal longitudinal.
    • Relação < 25% – grau leve
    • Relação entre 25-64% – grau moderado
    • Relação > ou igual a 65% – grau importante
Relação área do jato e via de saída do VE – IAo importante
  • Vena Contracta: a área mais estreita do jato, mais bem visualizada e medida em zoom no corte paraesternal longitudinal, imediatamente distal ao orifício regurgitante.
    • < 0,3 cm – grau leve
    • Entre 0,3 e 0,6 cm – grau moderado
    • > 0,6 cm – grau importante
ESQ – IAo leve; DIR – IAo moderada

A vena contracta, contudo, não é uma medida válida para múltiplos jatos e valores intermediários, necessitam de confirmação através de outras medidas.

  • PISA: a convergência de fluxo pode ser usada de forma qualitativa e quantitativa na avaliação da gravidade da IAo. Sua medida pode ser adquirida aplicando o zoom na via de saída do VE e mudando a linha de base do limite de Nyquist para medir o raio de convergência de fluxo. Associado à medida do pico de velocidade do refluxo aórtico e o VTI, permite o cálculo da área do orifício regurgitante efetivo (ERO) e do volume regurgitante. Para insuficiência importante, quantifica-se a área do ERO > ou igual a 0,30 cm² e o volume regurgitante > 60 mL.
Componentes do Jato
PISA

Doppler Pulsátil

  • Fluxo Diastólico Reverso Aórtico: em indivíduos normais, um fluxo reverso diastólico de curta duração na aorta torácica descendente é frequentemente observado ao corte supraesternal. Entretanto, a presença de um fluxo reverso holodiastólico é considerada anormal e indica grau moderado ou importante de IAo. Já a presença de fluxo retrógrado em aorta abdominal é altamente sugestiva de IAo importante.

Fluxo reverso (vermelho) patológico em aorta descendente

Fluxo reverso holodiastólico em aorta descendente;

Doppler Contínuo

A melhor janela para avaliação da IAo pelo Doppler contínuo é a apical. Contudo, em jatos excêntricos, o corte paraesternal pode fornecer melhor alinhamento e avaliação do refluxo.

  • Intensidade do Jato: traçado incompleto ou de baixa intensidade indica refluxo de grau leve, enquanto os de alta intensidade sugerem refluxos significativos.
  • Tempo de Meia Pressão (PHT – tempo para o gradiente de pressão cair para a metade do seu valor inicial): para realizar esta medida, o sinal do Doppler contínuo deve ser adequado, com clara visibilização da velocidade de desaceleração do refluxo aórtico. Uma curva com declínio íngreme indica rápida equalização das pressões entre a aorta e o VE.
    • PHT < 200 ms – grau importante
    • PHT entre 200 e 500 ms – grau moderado
    • PHT > 500 ms – grau leve
1 – PHT 556 ms (leve); 2 – PHT 476 ms (moderada); 3 – PHT 81 ms (importante)

Conforme o Guideline ASE 2017, a presença de alguns parâmetros específicos é suficiente para determinar se o refluxo é de grau leve ou importante:

Parâmetros qualitativos e semiquantitativos
Flail das válvulas
Fluxo reverso holodiastólico em aorta descendente
Dilatação do VE com FE normal
Largura da vena contracta
Largura do jato central / VSVE
PHT
Presente
Presente
Presente
> 0,6 cm
> 65%
< 200 ms
Parâmetros quantitativos
ERO

Volume regurgitante
> ou igual 0,3 cm (se 2 ou mais critérios) e 0,20-0,29 (se 3 critérios)
> ou igual 60 ml (se 2 critérios) ou 45-59 ml (se 3 critérios)
Tabela com os critérios específicos

Todo o conteúdo deste texto, incluindo as imagens, foram retirados do livro Ecocardiografia e Imagem Cardiovascular, Thieme Revinter, 2020.

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Tiago

Legal meu amigo. Adoro esses pequenos artigos de revisão para refrescar a nossa memória. Abraços.

CARLOS ALBERTO DE CAMPOS AZEREDO

Muito boa aula. Bem esclarecedora e objetiva. Parabéns

Daniella Rocha

Excelente !!! Obrigada!!!

Daniella Rocha

Excelente, Top !!! Muito obrigada!!!

Lúcia Pires

porque o fluxo holodiastólico invertido na Ao descendente é um critério de gravidade?

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