Conteúdo resumido do trabalho de conclusão de curso do Dr. Gustavo Medeiros Silveira, egresso da pós graduação da ECOPE
A Endomiocardiofibrose é parte de uma das variantes mais comuns da doença miocárdica restritiva. Afeta jovens e também sexagenários, e ocorre mais tipicamente em regiões tropicais do planeta. Caracteriza-se pela obliteração endocárdica fibrótica, afetando ápice ventricular e regiões subvalvares. Uma das teorias dessa patogenia é o efeito tóxico direto de eosinófilos ao endocárdio levando, em uma fase tardia, à fibrose.
A característica clássica dessa patologia é a obliteração apical dos ventrículos (50% bilateral, 40% só o VE e 10% só o VD), envolvendo músculos papilares e cordas tendíneas, podendo levar à regurgitação das valvas atrioventriculares. Trombos podem ser formados em áreas de tecido fibrosado (15% dos pacientes têm embolização sistêmica).
No presente estudo, relatamos um caso de dilatação/disfunção de ventrículo direito, com presença de aneurisma diagnosticado pelo ecocardiograma transtorácico e enfatizamos os achados anatômicos e dopplerfluxométricos no método.
Mulher, 67 anos de idade, negra, previamente hígida admitida em pronto-socorro hospitalar com história de dispneia há seis meses, que piorou progressivamente e, nos últimos sete dias previamente à internação, passou a apresentar-se aos mínimos esforços, além de dispneia paroxística noturna, ortopneia, tosse seca e edema simétrico de membros inferiores.
Ao exame físico estava em estado geral comprometido, taquidispneica 2+/4+, acianótica, anictérica, corada, hidratada, afebril. PA 110×60 mmHg e FC 80 bpm. Exame do aparelho cardiovascular mostrava turgência jugular patológica a 90° com Onda V proeminente, ritmo cardíaco irregular, bulhas hipofonéticas em todos os focos, sopro sistólico 2+/6+ em foco tricúspide. Presença de refluxo hepatojugular. Ausculta pulmonar sem alterações. Edema simétrico de +/4+ de membros inferiores.
Os exames complementares: ECG mostrava ritmo de fibrilação atrial, baixa voltagem em derivações frontais, SÂQRS entre 0 e 30°, distúrbio de condução do ramo direito, alteração inespecífica de repolarização ventricular em derivações frontais e inversão assimétrica de Onda T de V2 a V6.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.15.26-1024x729.png)
Eco à beira do leito demonstrou derrame pericárdico volumoso, sem sinais de tamponamento cardíaco. Câmaras direitas de volume aumentado de grau importante, notadamente o átrio direito (117ml), com disfunção sistólica do VD. Após otimização terapêutica e estabilização clínica, paciente recebeu alta e iniciou acompanhamento ambulatorial.
Foi realizada uma ressonância nuclear magnética que revelou dilatação biatrial importante: ventrículo esquerdo com dimensões preservadas, ventrículo direito com dilatação importante, função sistólica biventricular preservada (FEVE 58% / FEVD 52%), obliteração com preenchimento apical biventricular, presença de realce tardio laminar endocárdico ao gadolínio, insuficiências valvares mitral, aórtica e tricúspide, viabilidade miocárdica preservada e derrame pericárdico importante. Concluindo em achados compatíveis com cardiomiopatia restritiva por Endomiocardiofibrose.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.25.15-1024x882.png)
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.31.25-1024x886.png)
O ecocardiograma transtorácico evidenciou ventrículo esquerdo de tamanho normal (Septo 8mm; PP 9mm; DDVE 29,8mm/m²; DSVE 32mm), com função sistólica preservada (FEVE 61%), mas já com dP/dt (760mmHg/s) e Strain global longitudinal (-15,9%) reduzidos; Disfunção diastólica do VE do tipo restritiva reversível (E/A 2,67); Aumento moderado do VD com função sistólica reduzida em grau moderado (Strain do VD -14%; Onda S’ tissular 6cm/s; TAPSE 2cm); Aumento importante do AD (76ml/m²); Aumento leve do AE (41ml/m²); Insuficiência valvar tricúspide importante e sinais indiretos de Hipertensão Pulmonar leve e subestimada (PSAP 44mmHg); Insuficiências valvares mitral e aórtica leves; Derrame pericárdico importante, sem repercussão hemodinâmica; Fibrose de VD com aneurisma de parede livre basal; Ocupação apical subendocárdica biventricular sugestiva de endomiocardiofibrose.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.39.14-1024x607.png)
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.39.54-1024x762.png)
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.42.04-1024x724.png)
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.41.44-1024x690.png)
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.44.13-926x1024.png)
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2020/12/Captura-de-Tela-2020-12-14-às-21.44.47.png)
Nosso relato de caso demonstra a importância do método ecocardiográfico como uma avaliação padrão e de boa acurácia no diagnóstico das cardiomiopatias e suas complicações. Em se tratando da Endomiocardiofibrose, o achado de comprometimento biventricular com aneurisma de ventrículo direito, até então muito singular e pouco relatado na literatura médica, deve ser lembrado como um diagnóstico diferencial importante com outras cardiomiopatias restritivas, especialmente em regiões tropicais do planeta como o nosso país.
Em breve, traremos mais resumos de trabalhos de conclusão de curso da ECOPE.
Para mais conteúdo como esse, continue acompanhando nosso blog!
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/foto-2.jpg)
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.