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Introdução: alguns dados epidemiológicos sobre sobrepeso e obesidade
A prevalência mundial da obesidade quase triplicou entre 1975 e 2016. Em 2016, mais de 1,9 bilhão de adultos, com 18 anos ou mais, estavam com sobrepeso. Destes, mais de 650 milhões eram obesos. Globalmente, a prevalência de sobrepeso e obesidade aumentou 28% em adultos e 47% em crianças entre 1980 e 2013. As estimativas atuais sugerem que há quase 2,1 bilhões de pessoas no mundo que estão acima do peso ou obesas. Em 2016 Cerca de 39% dos adultos com 18 anos ou mais estavam com sobrepeso e 13% eram obesos. Mais de 340 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 19 anos estavam com sobrepeso ou obesos.
No Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual da população brasileira com mais de 20 anos considerada obesa mais que dobrou entre 2003 e 2019. O dado mais recente, mostra que 26,8% dos brasileiros nesta faixa etária eram considerados obesos, enquanto o percentual era de 12,2% há 16 anos. No período, a prevalência da obesidade feminina passou de 14,5% para 30,2%, enquanto a masculina subiu de 9,6% para 22,8%. O percentual da população acima de 20 anos considerada obesa mais que dobrou em 16 anos, aponta IBGE.
O índice de massa corporal (IMC) é usado para classificar o sobrepeso e a obesidade em adultos. É definido como o peso de uma pessoa em quilogramas dividido pelo quadrado de sua altura em metros (kg/m2). Para adultos, a OMS define sobrepeso quando o IMC é igual ou maior que 25 e obesidade se o IMC é igual ou maior 30.
Avaliação das medidas pela ecocardiografia
Na avaliação das medidas pela ecocardiografia três variáveis devem ser consideradas:
1. A proporcionalidade entre os valores. Por exemplo, o diâmetro do seio de Valsalva da aorta é aproximadamente igual ao diâmetro anteroposterior do Átrio esquerdo (AE); o diâmetro anteroposterior do ventrículo direito (VD) no corte paraesternal longitudinal é no máximo duas vezes o diâmetro anteroposterior do ventrículo esquerdo (VE);
2. O valor absoluto normal com desvio padrão onde é considerado uma média estatística de valores obtidos em estudo populacionais. O valor de 55 mm do diâmetro diastólico anteroposterior do VE pode ser normal para um indivíduo com 1,80 m e 80 Kg, mas está aumentado para outro com 1,60 m e 60 Kg;
3. As medidas indexadas pela superfície corpórea é a forma usual como se corrige os valores em pacientes de tamanhos diferentes, isto é, com superfícies corpóreas (SC) distintas.
As diretrizes para imagens cardíacas recomendam ajustar para o tamanho do corpo do paciente para avaliação do tamanho do átrio esquerdo (AE), massa do ventrículo esquerdo (VE), e hemodinâmica valvar. Entretanto, estes documentos não fornecem recomendações específicas para indivíduos obesos. Em algumas séries, quase metade dos pacientes submetidos à ecocardiografia ambulatorial apresentam índice de massa corporal (IMC) ≥30 kg/m². A SC é calculada em função da altura e peso do corpo humano. Naturalmente, pacientes obesos tem um aumento desproporcional da SC. Por exemplo um homem com 170 cm e 70 Kg tem cerca de 1,80 m2 de SC, outro com mesma altura e 100 Kg tem uma SC de 2,20 m2 de SC. Uma mulher com 160 cm e 60 Kg a SC é de aproximadamente 1,65 m2 de SC, outra com 160 cm e 80 Kg cerca de 1,92 m2 de SC. Desta forma, os valores indexados para SC maiores, serão menores e podem equivocadamente ser considerados normais. Portanto, as medidas indexadas pela SC, sem considerar o peso do paciente, sempre irá subestimar os valores nos pacientes obesos.
Volume do AE:
A avaliação do volume do AE (VAE), fornece informações prognósticas em diversas cardiopatias. O VAE é parte integrante de vários algoritmos de diagnóstico ecocardiográficos. É um índice sensível que expressa a severidade da disfunção diastólica do VE, a quantificação da valvopatia mitral e a avaliação da probabilidade de arritmias atriais, especialmente da fibrilação atrial.
As Diretrizes das sociedades americanas e europeias de ecocardiografia para quantificação das câmaras, American Society of Echocardiography /European Association of Cardiovascular Imaging [ASE / EACVI] e para avaliação da função diastólica do VE, recomendam o uso da SC para avaliar o tamanho do AE, indexando o VAE, independentemente IMC ou da SC do paciente. Entretanto, estes documentos não fornecem recomendações específicas para indivíduos obesos; o limite de 34 ml/m2 para definir normal é usado em todos os pacientes, independentemente do aumento da SC pelo excesso de peso.
As Diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) sobre o manejo da hipertensão arterial em adultos recomendam o uso de volume AE indexado para altura para definir o tamanho normal do AE (≤18,5 ml/m² para homens; ≤16,5 ml/m² para mulheres). Além da hipertensão, a obesidade é o principal determinante para o aumento do AE e representa um processo patológico, não apenas um aumento fisiológico. O uso da SC para indexar o VAE em pacientes obesos pode subestimar a magnitude da dilatação do AE e o efeito da obesidade na remodelação do AE. Clinicamente, isso pode se traduzir em subestimação da disfunção diastólica, da previsão de eventos cardiovasculares futuros e prevalência de aumento do AE em pacientes obesos.
Massa do VE:
O método ideal para ajustar o tamanho do corpo para a massa do VE permanece controverso em indivíduos obesos, mas uma série de publicações tende a favorecer a indexação baseada em altura. Alguns estudos mostraram que a massa do VE indexada para SC identifica melhor os eventos clínicos quando em comparação com outros métodos, enquanto outros estudos têm favorecido a indexação com base na altura, especialmente em pacientes com sobrepeso e obesos. Vários estudos observacionais em pacientes obesos relataram hipertrofia do VE (HVE) usando a massa do VE indexada à altura, com diferentes coeficientes alométricos. A maioria comumente com a altura elevada a 2,7 (h2,7 ). Usar a indexação baseada na SC pode resultar em subestimação da prevalência de HVE em pacientes obesos. Além disso, do ponto de vista epidemiológico, em uma população com alto índice de obesidade, a massa do VE indexado à altura é um método melhor, em comparação com o baseado na indexação pela SC, para avaliar prevalência de HVE.
Como avaliamos o Volume do AE e massa do VE (IMC ≥ 30)
Volume do AE :VAE x h2 (ml/m2 )
Volume aumentado: mulher > 16,5 ml/m2 ; Homem 18,5 ml/m2
Para o grau de dilatação considerar o valor absoluto do volume.
Mulher: pequena 53-62 ml; moderada 63-72 ml; importante ≥ 73 ml.
Homem: pequena 59-68 ml; moderada 69-78 ml; importante ≥ 79 ml.
VE: massa em g/h2.7
Massa aumentada: mulher >47g/m2.7 ; homem > 50g/m2.7
Para o grau de Hipertrofia considerar o valor absoluto da massa.
Homem: pequena 225-258 g; moderada 259-292g; importante ≥ 293g
Mulher: pequena 163-186 g; moderada 187-210g; importante ≥ 211 g
OBS: m² corresponde à altura ao quadrado (h²)
PS: no próximo blog iremos analisar a influência da obesidade nas medidas hemodinâmicas.
BIBLIOGRAFIA
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Pesquisa do IBGE mostra aumento da obesidade entre adultos. Publicado em 21/10/2020
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