Estenose Tricúspide: aspectos ecocardiográficos

Estenose valvar tricúspide (ET) é uma condição pouco frequente nos pacientes adultos, sendo mais de 90% dos casos de etiologia reumática. Esta, por sua vez, pode estar associada à presença de envolvimento reumático das valvas mitral e/ou aórtica.

Outras causas incluem (1) radioterapia, (2) síndrome carcinóide, (3) obstrução mecânica valvar por tumores benignos ou malignos, (4) algumas raras malformações, (5) lúpus, e (6) aderências e cicatrizes induzidas pela endocardite infecciosa ou pelo cabo de marca-passo.

Quando de etiologia reumática, o processo inflamatório provoca fibrose das cúspides, com fusão das comissuras e encurtamento das cordoalhas, resultando na redução da abertura valvar e consequente redução da área do orifício valvar.

GLOBAL HEART, VOL. 8, NO. 3, September 2013: 203-212

Como consequência, a ET leva a uma elevação da pressão atrial direita e o desenvolvimento de congestão sistêmica, com sintomas de insuficiência cardíaca (IC) direita.

A avaliação da gravidade da ET é realizada por meio de uma análise anatômica qualitativa e quantitativa do complexo valvar tricúspide pelo ecocardiograma bidimensional, porém com melhor confiabilidade através do estudo em 3D, associada à quantificação do fluxo diastólico transvalvar pelo Doppler.

Em relação à morfologia, deve-se ater para a posição e mobilidade das cúspides (na síndrome carcinoide, por exemplo, há imobilidade destas – A e B), presença de restrição do grau de abertura, padrão do tipo de abertura (abertura em domo sugere etiologia reumática), presença de espessamento e calcificações nas cúspides, fusão das comissuras, bem como espessamento, calcificações e retração do aparato subvalvar.

J Saudi Heart Assoc 2014;26:51–55

O ecocardiograma 2D apresenta importantes limitações para a avaliação desta valva, particularmente na análise das comissuras e na quantificação da área do orifício estenótico pela planimetria. Portanto, o ecocardiograma 3D tem valor adicional relevante na quantificação do grau de estenose por meio da planimetria da área do orifício valvar, que pode ser claramente visibilizado e mensurado na visão en face da valva tricúspide (VTri) a partir do ventrículo direito (VD).

Outra vantagem do ecocardiograma 3D é a possibilidade de identificar o grau de fusão comissural por meio da visibilização dinâmica e simultânea das faces ventricular e atrial.

Similar à estenose valvar mitral (EMi), a graduação da ET requer a avaliação do fluxo diastólico transvalvar com o Doppler contínuo, mensurando a velocidade de pico e os gradientes pressóricos máximos e médio.

Não existe uma classificação geralmente aceita da gravidade da ET, contudo um gradiente maior ou igual a 5 mmHg é indicativo de estenose valvar importante.

GLOBAL HEART, VOL. 8, NO. 3,September 2013

Outro achado que fala a favor de ET é o aumento da velocidade da pico da onda E do fluxo diastólico para valores maiores ou iguais a 1 m/s.

A quantificação da área valvar derivada do Doppler pelo PHT é pouco utilizada na prática. De forma geral, entretanto, um PHT > 190 ms frequentemente está associado à estenose significativa. A estimativa da área valvar pelo PHT pode ser obtida pela fórmula: área tricúspide = 190/PHT.

A equação de continuidade pode ser utilizada como alternativa, considerando na fórmula o volume ejetivo do VD ou do ventrículo esquerdo (VE) dividido pela integral do tempo-velocidade do fluxo diastólico transtricuspídeo.

É importante ressaltar, porém, que à medida em que a gravidade da insuficiência tricúspide aumenta, a área da ET é progressivamente subestimada pela equação de continuidade. Contudo, mesmo na presença de insuficiência tricúspide (IT) significativa, uma área valvar tricúspide < ou igual 1 cm² é considerada um indicativo de estenose grave.

Outro ponto importante na avaliação da ET são os sinais indiretos que indicam repercussão hemodinâmica da disfunção valvar no átrio direito, bem como na veia cava inferior.

Os marcadores de gravidade da ET ao ecocardiograma são:

  • Presença de cúspides espessadas com reduzida mobilidade diastólica;
  • Aparato subvalvar espessado e encurtado;
  • Elevação dos gradientes pressóricos transtricuspídeos médio e máximo;
  • Redução da área valvar;
  • Presença de fusão comissural.

Devemos lembrar de algumas importantes considerações:

  • A velocidade de pico e a mensuração dos gradientes pelo Doppler são afetadas pela frequência cardíaca e a fase do ciclo respiratório. Dessa forma, recomenda-se para uma avaliação adequada que as medidas sejam feitas durante uma pausa expiratória e com FC entre 70-80 bpm.
  • Não se recomenda a medida da planimetria pela ecocardiografia bidimensional dada a superioridade do estudo 3D;
  • A quantificação da área valvar pela equação de continuidade não é acurada na presença de IT de grau moderada a importante;
  • Na presença de dupla lesão tricúspide, a avaliação da ET pelo Doppler contínuo não é ideal em razão da influência oposta das lesões na quantificação da velocidade máxima e dos gradientes máximo e médio.

Essa semana fiz o exame de uma paciente jovem (24 anos), com histórico de cardiopatia reumática e troca valvar mitral por bioprótese há 07 anos. Admitida no pronto socorro com dispneia aos mínimos esforços, sinais de disfunção ventricular direita e hemorragia digestiva.

Ecocardiograma com fração de ejeção pelo método de Simpson de 62%, disfunção de bioprótese mitral por dupla lesão (estenose importante e insuficiência moderada), com acometimento reumático de valva aórtica (estenose leve e insuficiência moderada) e da valva tricúspide (restrição de mobilidade de ambos os folhetos com abertura em domo do folheto septal).

Fluxo transvalvar tricúspide com velocidade máxima de 2,1 m/s, apresentando gradiente máximo de 18 mmHg e médio de 10 mmHg. Área valvar, estimada pela equação de continuidade, de 0,9 cm².

Dilatação de átrio direito, com refluxo tricúspide maciço (vena contracta 1,9 cm) e fluxo reverso em veia suprahepática. Gradiente máximo do refluxo tricúspide de 72 mmHg. Diâmetro basal do VD de 4,7 cm, TAPSE 1,2 cm e onda S 0,7 cm/s.

Diâmetro basal do VD de 4,7 cm, TAPSE 1,2 cm e onda S 0,7 cm/s.

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