Continuando nossa “série” sobre amiloidose cardíaca, trago aqui a revisão de uma publicação da JACC de 2019 sobre a associação entre estenose aórtica e amiloidose cardíaca.
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A estenose aórtica (EAo) é a doença valvar mais comum, com prevalência estimada em 4% entre octagenários, e com importante impacto na qualidade de vida, com prognóstico muito desfavorável na ausência de tratamento adequado.
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Estudos recentes sugerem que a coexistência de EAo com amiloidose cardíaca é mais comum do que se imaginava, com evidências demonstrando a presença de amiloidose cardíaca em até 15% dos pacientes com EAo. Esta associação pode dificultar tanto o diagnóstico como o manejo terapêutico de ambas as condições, dadas as semelhantes alterações cardíacas que as envolvem:
- Aumento da espessura da parede miocárdica, levando a hipertrofia concêntrica;
- Aumento das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo, levando a uma cardiopatia restritiva;
- Função sistólica do ventrículo esquerdo (VE) inicialmente preservada (nas fases iniciais da doença).
Por compartilharem muitas destas alterações, o diagnóstico, seja da EAo ou da amiloidose cardíaca, pode ser retardado, com claras implicações prognósticas.
De forma geral, o fenótico TTR (transtirretina) é o que mais se associa à EAo e a relação entre estas doenças é, primordialmente, de coexistência, embora a infiltração amilóide do tecido valvar aórtico possa ser o processo inicial que levará, posteriormente, à disfunção por estenose.
Em análises retrospectivas de pacientes com amiloidose cardíaca tipo TTR comprovada, cerca de 16% tinha EAo moderada a severa. Já estudos com pacientes com EAo, a prevalência de amiloidose cardíaca TTR variou entre 4-29%.
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Não existe uma recomendação ou consenso indicando que todo paciente com EAo deve realizar rastreio para amiloidose cardíaca. Contudo, é importante ficar atento aos ditos “red flags” (já citados em postagem anterior) para que essa complementação seja realizada. De forma geral, a associação de EAo com amiloidose cardíaca é mais comum entre homens, e o histórico de síndrome de túnel do carpo, estenose de canal espinhal lombar, implante de marcapasso de forma prematura, desproporção de sintomas de insufiência cardíaca a despeito do grau de estenose valvar e sintomas de insuficiência cardíaca direita devem nos levar sempre a pensar na possibilidade de amiloidose cardíaca associada.
Além disso, pacientes com NT pro-BNP elevados, apesar da ausência de disfunção ventricular esquerda ou com troponina alterada sem contexto de doença arterial coronária devem levantar a suspeita de amiloidose cardíaca.
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Nos exames de imagem, ficar atento sempre a desproporcionalidade entre o grau de estenose valvar e o de hipertrofia das paredes do VE, hipertrofia do ventrículo direito (VD), aspecto granuloso do miocárdio (sparkling), além de velocidade do anel mitral, ao Doppler tissular, reduzida (≤ 6 cm/s). O padrão de preservação apical (apical sparing) no strain global longitudinal do VE e valores reduzidos de strain (≥ -12%) são marcadores importantes no diagnóstico desta condição. Atentar que o padrão de apical sparing não é específico de amiloidose cardíaca, podendo estar presentes em pacientes com EAo apenas.
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A avaliação da gravidade da estenose valvar deve seguir as recomendações vigentes em guidelines. Contudo, vale ressaltar que o fenótipo mais comum encontrado nesta associação é de baixo fluxo e baixo gradiente, podendo ser visto em até 80% dos casos. Destes, aproximadamente 50% apresenta fração de ejeção do VE preservada, configurando o perfil de EAo paradoxal.
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Nestas situações, se faz necessária a complementação com outros métodos diagnósticos para confirmar a severidade da disfunção valvar. Neste contexto específico, o ecocardiograma com estresse farmacológico (dobutamina) com frequência não é capaz de aumentar o fluxo sistólico do VE e, portanto, pode gerar resultados inconclusivos. Por esta razão, o escore de cálcio da valva aórtica, pela tomografia computadorizada, é o método de escolha para esta complementação diagnóstica.
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Em relação ao manejo destes pacientes, estudos com pequeno número de pacientes (n <30), sugerem melhores desfechos em pacientes que são submetidos a troca valvar percutânea (TAVR) quando comparados à pacientes submetidos a troca valvar cirúrgica. Função sistólica do VE < 50%, SGL reduzido (≥ – 10%), padrão restritivo (disfunção diastólica grau III) e padrão baixo fluxo / baixo gradiente são achados de pior prognóstico para o tratamento cirúrgico convencional.
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Muito bom, parabéns