Endocardite infecciosa (EI) do lado direito do coração não é condição comum e, quando presente, acomete predominantemente a valva tricúspide. Com frequência, é condição clínica associada ao uso de drogas injetáveis e a presença de dispositivos implantáveis.
A ecocardiografia, como acontece nos casos de EI à esquerda, desempenha papel fundamental no diagnóstico e na caracterização desta doença, bem como na documentação de complicações mecânicas/funcionais associadas. Contudo, fatores anatômicos das cavidades direitas podem exigir a necessidade de outros métodos diagnósticos complementares, sendo muitas vezes uma condição bastante desafiadora.
Homem, 64 anos de idade, portador de diabetes mellitus (DM), doença arterial coronariana com passado de revascularização miocárdica e histórico de estenose importante de artéria mesentérica superior.
Tabagista (40 maços/ano), com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e etilista. Admitido com relato de adinamia, perda ponderal não intencional (20 Kg), calafrios e febre.
Ausculta cardíaca com sopro diastólico precoce na borda esternal esquerda superior e murmúrios vesiculares globalmente reduzidos à ausculta pulmonar. Observava-se edema de membros inferiores.
Eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal e sinais de sobrecarga ventricular direita. Exames laboratoriais com leucocitose e elevação de PCR, além de anemia por deficiência de ferro (Hb 9.8 g/dL), elevação discreta das transaminases e NT pro-BNP aumentado (2.030 pg/mL).
Tomografia computadorizada de tórax (TC) mostrou grande consolidação pulmonar com broncograma aéreo no lobo superior direito, bem como consolidações bilaterais subpleurais e derrame pleural bilateral. Não havia documentação de embolia pulmonar.
Iniciado antibioticoterapia de forma empírica por broncopneumonia, com hemoculturas tornando-se positivas, posteriormente, para Enterococcus faecalis (cultura de escarro negativa).
Diante disso, foi realizado um ecocardiograma transtorácico que demonstrou presença de uma massa móvel, medindo 0.9×1.9 cm, aderida à valva pulmonar, prolapsando para a via de saída do ventrículo direito (VD). Ao Doppler, foi notado regurgitação pulmonar massiva (volume regurgitante 114 mL, fração regurgitante 71%).
O VD apresentava dilatação importante, com formato em D durante a diástole e com função sistólica preservada (TAPSE 2,0 cm). Não havia massas na valva tricúspide, a qual apresentava refluxo leve, com veia cava inferior de diâmetro normal e variabilidade inspiratória > 50%.
Ecocardiograma transesofágico confirmou os achados descritos no estudo transtorácico, sem sinais de endocardite na valva tricúspide.
Já que não havia instabilidade hemodinâmica ou sinais de infecção não controlada, foi optado por inicialmente afastar alguma condição maligna e, somente após a exclusão desta possibilidade, seria indicado reparo cirúrgico da EI.
Durante complementação diagnóstica, o paciente revelou ter apresentado um quadro recente de enterite há alguns meses do quadro atual. Portanto, translocação bacteriana foi presumida como o foco infeccioso do presente caso.
O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico 4 meses depois de iniciado o tratamento antibiótico, com aspecto visual da valva pulmonar confirmando a presença de grandes vegetações nos folhetos valvares, com extensa destruição valvular. O anel valvar não estava acometida e não havia abscesso. Foi, então, realizado troca valvar com prótese biológica.
A endocardite infecciosa à direita corresponde aproximadamente a 5-10% de todos os casos de EI. Essa baixa incidência pode ser explicada, em parte, pela baixa prevalência de condições patológicas que acometem as valvas cardíacas à direita.
Como citado inicialmente, normalmente a EI acometendo o lado direito do coração se associa a um contexto de uso de drogas injetáveis, presença de dispositivos intracardíacos ou cateteres centrais.
Apesar das vegetações poderem ser encontradas em qualquer região endocárdica, são mais comuns na face atrial da valva tricúspide, nos eletrodos (cabos) de dispositivos cardíacos implantados e na face ventricular da valva pulmonar (esta, bem menos comum quando comparado com EI da valva tricúspide).
Quando pensamos em EI de valva pulmonar, os fatores de risco incluem uso de drogas injetáveis, condições congênitas cardíaca, sepse, imunossupressão e infecção relacionada à cateter, além de alcoolismo. Contudo, em até 28% dos casos não há um fator predisponente identificado.
A literatura cita acometimento pulmonar com embolização séptica em até 80% dos casos de EI de valva pulmonar.
Os agentes etiológicos mais comuns são o Staphylococcus aureus (60-90% dos casos), streptococcus e staphylociccu coagulase-negativo. No contexto de alcoolismo, devemos também lembrar do S. pneumoniae.
As evidências sugerem que EI do lado direito do coração tem um curso clínico mais favorável quando comparado com EI à esquerda, sendo incomum a necessidade de troca valvar pulmonar, por exemplo. O índice de embolização é inferior, bem como da formação de abscesso e infecção por organismos resistentes. A taxa de mortalidade, em geral, fica entre 5-10%, mesmo sem cirurgia.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.