Sabemos que diversos estudos mostram correlação entre a diminuição do strain longitudinal do átrio esquerdo (AE) na fase de reservatório (strain máximo) e o aumento das pressões do AE.
Cada vez mais a utilização deste recurso tem sido empregada no avaliação da função diastólica dos pacientes uma vez que o strain longitudinal do AE tem melhor correlação com eventos clínicos cardiovasculares quando comparado com os métodos volumétricos.
Trago aqui um artigo publicado em 2017 no JACC Cardiovascular Imaging que avaliou o strain do AE na quantificação do grau de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (VE).
Antes, porém, vamos relembrar as fases do AE durante o ciclo cardíaco:
- Fase de Reservatório: ocorre durante a sístole ventricular, quando o AE está aumentando o seu volume até atingir o volume máximo no final da sístole. Corresponde à máxima deformação longitudinal e se inscreve acima da linha de base;
- Fase de Conduto: inicia-se ao abrir a valva mitral e o sangue contido no AE entra rapidamente no VE durante o enchimento ventricular rápido. O volume do AE diminui, assim como a deformação longitudinal;
- Fase de Bomba: corresponde à contração atrial e ocorre no final da diástole, diminuindo o volume do AE até o seu menor valor. Nessa fase, a deformação do AE atinge seu menor valor.
Trata-se de um estudo retrospectivo, com pacientes submetidos a estudo ecocardiográfico entre janeiro de 2010 e maio de 2014. Os critério de inclusão foram (1) fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≥ 50%, (2) ritmo sinusal e (3) ausência de doença valvar significativa (> que leve) ou prótese valvar.
Dos 90 pacientes avaliados, 15 apresentaram função diastólica normal e os demais foram divididos em grupos de acordo com o grau de disfunção (grau I, II e III) seguindo os critérios da diretriz da ASE 2009.
Função diastólica normal foi definida quando volume do AE < 34 ml/m², com e´ medial ≥ 8 m/s e e´ lateral ≥ 10 m/s. Quando estes três critérios estivessem alterados, dava-se o diagnóstico de disfunção diastólica.
Já a distinção entre os diferentes graus de disfunção diastólica foi obtida a partir da relação E/A, tempo de desaceleração da onda A, relação E/e´ média e o pico da pressão sistólica pulmonar.
Os pacientes com função diastólica normal eram significativamente mais jovens do que os pacientes com disfunção diastólica grau I e II (p < 0.01), sem haver diferenças entre pacientes masculinos e femininos. Enquanto que a fração de ejeção (FE) do VE, superfície corpórea, frequência cardíaca e pressão arterial sistólica foram similares entre os grupos, o índice de massa ventricular do VE demonstrou aumento progressivo com a piora da disfunção diastólica (p < 0.001).
O volume indexado do AE aumentou progressivamente à medida em que a disfunção diastólica (DD) progredia, sobretudo entre os grupos da DD grau I e II, não havendo diferenças significativas entre DD grau II e III.
Quanto aos parâmetros tradicionais de avaliação da função diastólica, a relação E/A, o tempo de desaceleração da onda A (TDA) e as ondas e´ septal e e´ lateral seguiram o padrão esperado com a piora da DD. A relação E/e´ média foi o único parâmetro convencional que permaneceu significativamente alterado, com aumento à medida em que a DD progredia, contudo perdendo significância quando entre os graus II e III de DD.
Indivíduos com qualquer grau de DD apresentaram valores maiores do volume do AE quando comparados com os pacientes sem disfunção diastólica. Quando utilizada a avaliação da função do AE pela análise volumétrica (isso foi possível em 80% dos participantes), observou-se que todas as 3 fases da função atrial foram afetadas com a piora do padrão de DD.
A função de reservatório, pela análise volumétrica, apresentou piora mais significativa entre os grupos de DD grau I e II comparados com o grupo controle. Da mesma forma, a função de conduto foi reduzida nos pacientes com qualquer grau de DD em relação aos indivíduos saudáveis. A função de bomba inicialmente aumentou na DD grau I, com redução posterior à medida em que o grau de disfunção piorou.
O strain de pico (fase de reservatório) do AE, por sua vez, apresentou um padrão linear de redução com a piora da DD, mantendo significância entre todos os 3 diferentes graus de disfunção. Houve excelente concordância entre avaliadores (inter-rater) em relação à medida do strain de pico do AE (r = 0.94).
Não foi observado uma forte correlação entre o strain de pico do AE com a velocidade do refluxo tricúspide, volume indexado do AE, velocidades das ondas e´ (septal ou lateral) e relação E/e´ média (r entre 0.17 e 0.41).
Entre os indivíduos que tiveram análise do strain longitudinal do VE realizada, houve diferença significativa entre o grupo controle e aqueles com disfunção diastólica grau III (-19±1% x -13±4%; p < 0.05), porém sem haver redução consistente nos graus I e II de DD.
Após análise dos dados, o strain de pico do AE apresentou AUC = 0.86 para a diferenciação do grau de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, refletindo uma performance diagnóstica excelente, segundo os autores.
Os valores de corte, obtidos no estudo, foram: 35% para grau I, 24% para grau II e 19% para grau III.
Quanto aos eventos clínicos (morte, hospitalização por insuficiência cardíaca), no grupo controle apenas 01 indivíduo (6%) apresentou evento clínico adverso, enquanto que nos indivíduos com DD, as menores taxas foram observadas no grupo com DD grau I (8%). No grupo com DD grau II foram documentados eventos adversos em 28% dos participantes e no grupo com DD grau III, 36%.
Os autores do estudo avaliam que os resultados vislumbram a possibilidade de análise de apenas um parâmetro (strain de pico do AE) para a graduação da disfunção diastólica, uma vez que apenas este parâmetro apresentou uma diminuição linear à medida em que há piora da disfunção diastólica comparado com os outros parâmetros convencionais de avaliação.
O strain de pico do AE, portanto, apresentou excelente acurácia diagnóstica, particularmente nos estágios mais avançados de DD, com o valor de corte de 19% apresentando acurácia de 95% na detecção de pacientes com DD grau III.
E aí, o que vocês acham?
Quer se aprofundar e dominar todos os parâmetros do strain do AE? Segue o link (é só clicar na foto) para a compra da nova edição do livro de Strain Cardíaco do Prof. Castillo.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.