Ecocardiografia Esportiva: Atualização da Diretriz Britânica – Miocardite

Oxborough et al. Echo Research & Practice (2025) 12:7

Miocardite é uma desordem muscular inflamatória não isquêmica que acomete o coração e pode cursar com complicações como disfunção ventricular e arritmias potencialmente fatais.

Tem sido reportada como responsável por cerca de 2-7% de todas as mortes súbitas cardíacas em atletas jovens, tendo a etiologia viral como a mais comum, apesar de outras causas como drogas ilícitas e vacinas (contra influenza, por exemplo) devam ser consideradas.

O espectro clínico da miocardite no atleta é amplo, variando de quadros assintomáticos, dor torácica de resolução espontânea, dispneia ou fadiga a quadros mais complexos que cursam com insuficiência cardíaca ou choque cardiogênico.

O padrão ouro para o diagnóstico de miocardite continua sendo a biópsia endomiocárdica, porém sabemos que se trata de um procedimento invasivo. A ressonância magnética cardíaca tem importante valor diagnóstico pela capacidade de caracterização tecidual, bem como pela utilização da técnica de realce tardio.

A ecocardiografia, por sua vez, é o exame de primeira linha e a presença de alteração da contratilidade segmentar, disfunção sistólica ou diastólica de ambos os ventrículos, dilatação cavitária, derrame pericárdico e aumento da massa ventricular ou da espessura diastólica podem ser observados num contexto clínico que direcione para a possibilidade de miocardite.

A utilização de técnicas adicionais, como strain, contraste ecocardiográfico, trabalho miocárdico e ecocardiograma 3D pode desmascarar padrões não observados no estudo convencional.

Parâmetros do Doppler tissular podem se alterar na vigência de miocardite e o strain pode detectar disfunção sistólica subclínica. Em estudos de indivíduos não atletas com miocardite aguda e fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada, foi documentada uma redução significativa do strain global longitudinal (SGL) quando comparado com o grupo controle composto por indivíduos saudáveis.

Outros estudos mostraram que as medidas do strain são mais sensíveis, em relação à análise bidimensional, para detecção de alteração segmentar.

Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2016 Sep;17(9):1018-26

O strain deve ser utilizado também para avaliar a melhora da função ventricular após a fase aguda, à medida em que o processo inflamatório regride. Desta forma, esta técnica deve ser utilizada de rotina em pacientes com suspeita e após recuperação de miocardite.

Quando as imagens bidimensionais não são tão favoráveis, a utilização de contraste ou do ecocardiograma 3D pode auxiliar no diagnóstico de miocardite, seja pela identificação de alteração da contratilidade segmentar, disfunção ventricular e até trombos intracavitários. Além disso, o strain 3D têm se mostrado como uma ferramenta muito promissora no diagnóstico de miocardite.

Int J Cardiol Heart Vasc. 2022 Jul 12;41:101081

Como a atividade física durante a fase ativa de miocardite pode exacerbar a resposta inflamatória e induzir arritmias malignas, qualquer atleta com este diagnóstico deve ser orientado a parar a prática esportiva durante a fase aguda da doença.

Exemplo de caso real: paciente sexo feminino, 46 anos, veio para avaliação de rotina em cardiologia do esporte. Ex-obesa, praticante de atividade física de alta intensidade, com componente misto (força e aeróbico), duração média de 3h/dia de treino, 6 vezes/semana há pelo menos 5 anos. Assintomática.

Ecocardiograma bidimensional com padrão de ADAPTAÇÃO excêntrica e aumento balanceado das cavidades cardíacas.

Strain global longitudinal com valor normal (19.5%), padrão predominantemente homogêneo, índice de dispersão mecânica de 42 ms, com perda da curva de ativação ascendente no segmento médio da parede inferolateral.

Trabalho miocárdico com eficiência mecânica preservada (GWE 96%), valores de trabalhos construtivo (GCW 1892 mmHg%) e desconstrutivo (GWW 61 mmHg%) normais, contudo com perda da curva de ativação ascendente no segmento médio da parede inferolateral e nos segmentos médio e apical da parede inferior.

Durante o esforço isométrico, observa-se uma redução da taxa de deformação nos segmentos médios das paredes anterolateral e inferolateral, com manutenção da normalidade do PSD e valor global de 18%.

O trabalho miocárdico, por sua vez, mostra manutenção da eficiência global (GWE 95%), porém com aumento não linear do trabalho desconstrutivo (GWW 118 mmHg%) em relação ao incremento do trabalho construtivo (GCW 2556 mmHg%). Ainda, há perda da curva de ativação ascendente dos segmentos médios das paredes anterior, anterolateral e inferolateral, com aumento compensatório do trabalho no segmento basal da parede inferolateral e dos segmentos médio e apical da parede inferosseptal.

Diante deste padrão de alteração foi solicitada angiotomografia de artérias coronárias cujo resultado descartou doença arterial coronária, porém com o relato de “aparente redução do espessamento sistólico na região média da parede inferolateral”.

A investigação foi complementada com ressonância magnética cardíaca que demonstrou fibrose mesocárdica nas regiões basal e médio-basal da parede inferolateral do ventrículo esquerdo, sugerindo sequela de cardiopatia inflamatória/miocárdite

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Dimosthenis

Prezado colega
Parabéns pelos teus artigos, práticos, informativos e sem ” pegadinhas” para ganhar dinheiro.

Marco Aguiar

parabens

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