Saiu há pouco a atualização da diretriz da sociedade britânica de ecocardiografia sobre a avaliação de atletas jovens.

A última edição tinha sido em 2018 e, de lá para cá, o documento enfatiza que grandes avanços ocorreram no que diz respeito ao conhecimento sobre a cardiologia e ecocardiografia do esporte, sobretudo com a utilização de técnicas que adicionam valor discriminatório na diferenciação entre o que é adaptação e o que de fato é um padrão patológico, com destaque para o strain, ecocardiografia com estresse físico e strain de área (3D).

Vou, então, fazer uma série de postagens com o resumo da sessão voltada para a dita “zona cinzenta”, ou seja, como diferenciar adaptação (“coração de atleta”) de doença.
#CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA (CMPH):
Doença genética autossômica dominante caracterizada por hipertrofia ventricular esquerda, disfunção diastólica, obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) e isquemia miocárdica.
Como critério diagnóstico, a hipertrofia ventricular deve ser ≥ 15 mm em pelo menos um segmento do ventrículo esquerdo na ausência de condições relacionadas ao aumento da pós carga ou ≥ 13 mm no contexto de variante genética patogênica ou histórico familiar.
A prevalência na população adulta tem sido reportada em torno de 1 para 500, com o UK Biobank indicando uma prevalência de hipertrofia ventricular esquerda ≥ 15 mm em apenas 0.11% da população geral.
A prevalência anual de morte súbita cardíaca nesta população é de 0.43% por ano (IC 95%: 0.37-0.50%), contudo em crianças e adultos jovens esse número chega a 1.09% (IC 95%: 0.69-1.73%).
A ecocardiografia normalmente é o exame de primeira linha para o diagnóstico, bem como para avaliar a gravidade da doença. A fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) encontra-se habitualmente normal ou supranormal até que, em estágios avançados da doença, há piora deste parâmetro. O strain global longitudinal (SGL) reduzido pode ser observado em pacientes com FEVE preservada. Em atletas, um SGL ≤ 15% sugere hipertrofia ventricular patológica.

Alterações da valva mitral e de seu aparato subvalvar, como a presença de movimento sistólico anterior e obstrução da VSVE, observado em 30-50% dos casos, indicam fenótipo patológico, uma vez que tais achados não são considerados como adaptação à atividade física de alta intensidade.
Indivíduos com CMPH podem apresentar um alongamento anormal dos folhetos da valva mitral, sendo os pontos de corte > 30 mm de comprimido para o folheto anterior e > 15 mm para o folheto posterior. Outros achados incluem hipertrofia e/ou deslocamento apical de músculo papilar, assim como criptas no ventrículo esquerdo.

A dita zona cinzenta em relação a hipertrofia ventricular esquerda, quando observa-se aumento da espessura diastólica das paredes do VE entre 13-15 mm, ocorre apenas na minoria dos casos. Estudos, porém, avaliaram parâmetros para diferenciar uma hipertrofia “fisiológica” de um estágio ainda muito inicial da CMPH e identificaram que os parâmetros discriminatórios principais que sugerem o fenótipo patológico em atletas foram*:
– Diâmetro diastólico final do VE ≤ 53 mm;
– Diâmetro do átrio esquerdo ≤ 39 mm;
– Disfunção diastólica;
– Geometria concêntrica;
– Hipertrofia assimétrica (relação septo/parede posterior ≤ 1.3).
*Vale ressaltar que esses parâmetros foram avaliados em atletas comparando com indivíduos sedentários portadores de CMPH.
Já quando comparados com indivíduos sedentários portadores de CMPH, os atletas com CMPH demonstraram menor hipertrofia ventricular (média 15-16 mm), maiores dimensões do VE e maiores índices de função diastólica. Foi observado, ainda, uma menor prevalência de obstrução de VSVE ou doença valvar neste último grupo.

Portanto, em atletas com CMPH pode haver uma coexistência entre achados patológicos com padrões de adaptação.
Quando realizada a comparação entre atletas portadores de CMPH e atletas sem CMPH, porém com aumento da espessura diastólica das paredes do VE dentro da zona cinzenta, o diâmetro do AE foi um fraco parâmetro discriminatório, com 87% dos atletas portadores de CMPH demonstrando dimensões normais do AE.
Apenas 14% dos atletas com CMPH demonstraram diâmetro diastólico do VE > 54 mm. A análise ROC identificou diâmetro diastólico do VE < 51 mm e onda E´ septal ≤ 11 cm/s como os únicos preditores positivos de CMPH.


Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.