O futebol é uma modalidade mista de treinamento, com componente dinâmico predominante, contudo com ênfase no ganho de força e velocidade. Além disso, existem especificidades para cada posição no campo (exemplo: o treino do goleiro é diferente do treino do atacante, que por sua vez é diferente do treino de um lateral).
Vamos, então, avaliar como se comportam os parâmetros do trabalho miocárdico entre essa população.
Estudo prospectivo, unicêntrico, com atletas de futebol profissional da primeira divisão do campeonato espanhol, com histórico de treinamento intenso (>15h de atividade física/semana por pelo menos 5 anos) comparados com um grupo controle de indivíduos saudáveis sedentários, durante o período entre junho de 2020 e junho de 2021.
Todos os atletas tinham métodos de treinamento similares, com ênfase em ganho de força e velocidade, a despeito de alguma variabilidade em razão da posição de cada atleta (especificidade de treinamento).
Os critérios de inclusão de ambos os grupos foram (1) ausência de doença metabólica, incluindo hipertensão arterial, (2) eletrocardiograma de 12 derivações normal, (3) fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) > 55%, (4) ausência de alteração da contratilidade segmentar, (5) ausência de cardiomiopatias, (6) ausência de doença cardíaca genética ou congênita, e (7) ausência de doença coronária ou valvar. Ainda, no grupo controle foi considerado (8) frequência de atividade física inferior a 3x/semana.
Todos os participantes realizaram eletrocardiograma (ECG), ecocardiograma e análise laboratorial.
Portanto, foram analisados 97 indivíduos (49 atletas profissionais e 48 controles), pareados de acordo com idade e índice de massa corpórea.
Quanto aos parâmetros ecocardiográficos convencionais, os atletas apresentaram valores maiores do volume diastólico final do VE (p < 0.001), volume sistólico final do VE (p < 0.001), índice de massa (p = 0.011) e da espessura diastólica final da parede posterior (p = 0.023).
A FEVE, por sua vez, foi minimamente menor nos atletas quando comparados com o grupo controle, porém sem diferença estatisticamente significativa. Em nenhum grupo foi observada alteração da contratilidade segmentar.
Os parâmetros de função diastólica mostraram maiores velocidades da onda E transmitral, bem como da relação E/A nos atletas (p < 0.001) nos atletas, assim como menores valores da relação E/e´ (p = 0.008).
Os atletas apresentaram maiores volumes do ventrículo direito (VD), contudo a função sistólica desta cavidade não demonstrou diferença significativa entre ambos os grupos.
Foi observado valores do strain global longitudinal (SGL) do VE ligeiramente menores nos atletas profissionais (p = 0.030), assim como menores valores do GCW (p = 0.003) e uma tendência à valores menores de GWI. O GWE, por sua vez, não apresentou diferença significativa entre os grupos.
A porcentagem de atletas com parâmetros reduzidos do trabalho miocárdico foi de 44.7% para o GWI, 73.7% para o GCW, 94.7% para o GWW e 10.5% para o GWE. Já no grupo controle, essa relação foi de 29% para o GWI, 41.9% para o GCW, 71% para o GWW e 22,6% para o GWE.
Apesar da especificidade de treinamento para diferentes posições, não houve diferença significativa entre as características demográficas e parâmetros ecocardiográficos entre os atletas avaliados.
Dentre os atletas, aqueles que apresentaram maiores variações (alterações dos parâmetros) foram indivíduos de maior idade (p = 0.004) e com maiores volumes diastólico e sistólico finais do ventrículo direito (p = 0.007 e p = 0.010, respectivamente). Em relação ao trabalho miocárdico, eles apresentaram uma tendência a apresentar maiores valores de GCW e de GWW.
As correlações observadas, entre os atletas, para GWI, GCW, GWW e GWE estão demonstradas na figura a seguir:
Foram observadas diferenças significativas entre o SGL (p = 0.01) e o GWE (p = 0.04) quando utilizadas como parâmetro de função relacionado ao septo interventricular (septos interventriculares mais espessados apresentaram pior função segmentar). Aqueles com espessura diastólica da parede septal < 10 mm apresentaram maiores valores do SGL (média -29.00; IQR: -22,00, -18,00), assim como do GWE (média: 97,00; IQR: 96.00,97.00), quando comparados com aqueles com diâmetro diastólico do septo entre 10-13 mm (média: -18,00; IQR: -19,00, -16,25 para o SGL e média: 95.50; IQR: 93.00, 97.00 para o GWE).
Houve uma maior prevalência de regurgitação pulmonar e tricúspide no grupo dos atletas (p < 0.001), da mesma forma que quando documentada alterações ecocardiográficas pelos parâmetros convencionais (83.7% atletas x 14.6% grupo controle).
A probabilidade de apresentar alguma regurgitação valvar foi 1.742 vezes maior em atletas (p = 0.020) e de apresentar uma ou mais alterações ecocardiográficas, de 1.527 vezes (p = 0.056) neste grupo.
Portanto, fica documentado no estudo (embora com n pequeno), que os atletas profissionais de futebol apresentam maior remodelamento cardíaco estrutural, menores taxas de deformação e índices mais baixos de trabalho miocárdico em razão da adaptação ao treinamento físico de alta intensidade. Isso se chama EFICIÊNCIA!
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.