Quem utiliza a técnica de trabalho miocárdico sabe que aferição da pressão arterial é passo crucial e determinante para o uso desta tecnologia.
Contudo, não há uma recomendação consensual de quando e como fazer essa aferição. Será que existe variação entre os diferentes momentos do exame ecocardiográfico, bem como relacionado à posição do paciente na maca? E, em havendo variação, ela é suficiente para alterar os parâmetros calculados pelo trabalho miocárdico?
Um estudo com 101 pacientes (44 mulheres, idade média de 66±14 anos) tentou responder essas perguntas!
A pressão arterial foi aferida em todos os pacientes, através de aparelho digital e em ambos os braços (na mesma posição) em 4 períodos diferentes durante a realização de exame ecocardiográfico:
- Medida 01 (BP1): antes de iniciar o exame, com o paciente deitado em posição supina;
- Medida 02 (BP2): após posicionar o paciente em decúbito lateral esquerdo para iniciar o exame;
- Medida 03 (BP3): no momento da aquisição das janelas apicais utilizadas para realizar o strain global longitudinal (SGL);
- Medida 04 (BP4): ao término do exame, com o paciente novamente em posição supina.
Os critérios de exclusão foram (1) idade < 18 anos, (2) fibrilação atrial, (3) bi ou trigeminismo, (4) estenose aórtica, (5) cardiomiopatia hipertrófica e (6) janela ecocardiográfica não adequada.
O valor médio do SGL foi de -16±3%. Entre as 4 aferições, os maiores valores de pressão arterial foram observados durante a primeira medida – BP1, sendo notado uma redução significativa, tanto da pressão arterial sistólica (PAS) quando da pressão arterial diastólica (PAD), entre BP1 e BP2 (147±21 mmHg vs. 130±20 mmHg; p<0.05, e 83±13 mmHg vs. 71±19 mmHg).
Após este período, foi observado uma queda adicional da PAS entre os períodos BP2 e BP3 (130±20 mmHg vs. 122±18 mmHg; p<0.05), contudo sem variação significativa da PAD (71±19 mmHg vs. 68±12 mmHg, p= N.S).
Ambas, PAS (122±18 vs. 138±18 mmHg; p<0,05) e PAD (68±12 mmHg vs. 81±12 mm Hg, p<0,005), apresentaram elevação entre BP3 e BP4, quando houve mudança postural do decúbito lateral esquerdo para a posição supina.
Analisando especificamente a PAS, houve uma redução de 12% entre BP2 e BP2 e de 17% entre BP1 e BP3. Foram observadas quedas superiores a 10 mmHg em 87 pacientes (86%) entre BP1 e BP3, e superiores a 20 mmHg em 64 pacientes (63%).
Entre as medidas BP3 e BP4, houve um aumento da PAS de 13%, com elevações superiores a 10 mmHg em 86% dos pacientes e superiores a 20 mmHg, em 43%.
Como esperado, essas mudanças impactaram nos resultados da análise pelo trabalho miocárdico.
Portanto, tanto o período em que a pressão arterial é aferida, bem como a posição do paciente no momento da aferição, interferem significativamente nos valores obtidos (pelo braço direito). Essa variação interfere, sim, nas medidas do trabalho miocárdico e, portanto, uma padronização de quando a pressão arterial deve ser avaliada se faz necessária.
Os artigos iniciais que descreveram a técnica do trabalho miocárdico relatavam, de forma vaga, que o momento da aferição da pressão arterial deveria ser durante a realização do exame (“at the time of the examination“). Contudo, na maioria das publicações com a utilização do trabalho miocárdico, o momento exato da aferição da pressão arterial não é informado.
Dos poucos artigos que descrevem esse momento, a medida da pressão arterial varia entre imediatamente antes da aquisição das imagens apicais e o momento antes de iniciar o exame ecocardiográfico, com a posição do paciente variando entre sentado, posição supina e decúbito lateral esquerdo.
O estudo afirma que usar a medida da pressão arterial aferida antes do início do ecocardiograma (BP1) irá resultar em uma superestimação da PAS, no momento da medida da SGL, de 10% em 46% dos pacientes de de 20% em 22% dos pacientes.
Por outro lado, a medida aferida na aquisição das imagens para análise do SGL (BP3), mantendo o paciente em decúbito dorsal lateral, vai subestimar o valor da PAS em 10% em 86% dos pacientes e, em 20% em 43% dos casos.
De acordo com os resultados, segundo os autores, o momento mais fisiológico para aferir a pressão arterial seria imediatamente após a aquisição das imagens das janela apicais, reposicionando o paciente em decúbito dorsal e com o braço direito horizontalmente no mesmo nível do coração (linha intermamilar).
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.