O treino de endurance engloba modalidades aeróbicas de treinamento, com padrão de esforço predominantemente isotônico.
Como resultado, temos uma redução da resistência vascular periférica e um aumento do retorno venoso. Isso resultará numa sobrecarga volumétrica com aumento do volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VE) e uma adaptação do tipo excêntrica, levando ao aumento do volume sistólico.
Nessa população, temos sabidamente parâmetros de função diastólica normal (ou supernormal), contudo quando avaliamos os parâmetros de função sistólica, estes podem estar normais ou levemente reduzidos.
Assim, precisamos de recursos avançados para termos maior precisão na avaliação da função sistólica destes atletas e que possam documentar reserva contrátil, informações estas primordiais para diferenciar adaptação de doença.
Um estudo com 350 atletas de endurance (120 nadadores de média e longa distâncias, 140 corredores de média e longa distâncias e 90 ciclistas de média e longa distâncias) foram avaliados, durante o repouso e esforço, através da ecocardiografia convencional, strain global longitudinal do VE, trabalho miocárdico e ultrassonografia pulmonar, e comparados com um grupo controle de 150 indivíduos saudáveis e assintomáticos (normotensos, ECG sem alterações, sem alteração da contratilidade segmentar e com fração de ejeção do VE > 55%).
Os critérios de exclusão foram (1) pressão arterial ≥135/85 mmHg ou uso de antihipertensivo; (2) doença arterial coronariana; (3) cardiomiopatia primária ou doença cardíaca genética; (4) cardiopatia congênita; (5) disfunção valvar mitral ou aórtica; (6) qualquer procedimento cirúrgico ou intervencionista cardíaco ou vascular prévio; (7) em uso de qualquer terapia cardíaca; (8) acidente vascular encefálico prévio, incluindo ataque isquêmico transitório; (9) diabetes, dislipidemia ou outros distúrbios metabólicos; e (10) uso de substâncias ilícitas estimulantes e tabagismo.
Todos os pacientes realizaram a avaliação em repouso e durante esforço físico com cicloergômetro semi-supinado, utilizando protocolo com incremento progressivo de carga (25 W a cada 2 minutos).
Os parâmetros funcionais avaliados foram frequência cardíaca, pressão arterial, carga de esforço (número de Watts atingidos), além de VO2 de pico atingido pela avaliação cardiopulmonar.
Já os parâmetros ecocardiográficos avaliados foram FEVE, strain global longitudinal (SGL) do VE, relação E/e´, TAPSE, PSAP e presença de linhas-B.
Vamos aos resultados …
Nos atletas, como esperado, os diâmetros, volumes e massa ventriculares esquerdas foram significativamente maiores, enquanto que a FEVE e os índices de função ventricular direita apresentaram redução discreta (sem diferença estatisticamente significativa).
Os atletas apresentaram maior velocidade de onda E transmitral e maiores relações E/A (função diastólica supernormal), com relação E/e´ similar entre os dois grupos.
Uma redução leve do SGL do VE (− 18.4±2.6% vs. − 22.4±3.3% no grupo controle; p<0.01) e do strain de pico regional foram observados nos atletas. Contudo, a eficiência do trabalho miocárdico e o valor de trabalho descontrutivo foram similares entre ambos os grupos.
Durante o esforço, os atletas (obviamente!) tiveram melhor capacidade aeróbico (VO2 de pico). O aumento da FEVE, SGL do VE, TAPSE e onda S do anel tricúspide durante o esforço demonstrou boa reserva contrátil.
Contudo, durante o pico de esforço, com exceção da FEVE, todos os parâmetros ecocardiográficos foram similares entre os grupos.
Ainda, durante o esforço, os atletas apresentaram aumento da PSAP (P < 0.001) associado aumento das regiões pulmonares com linhas-B.
Houve uma associação independente dos valores do SGL do VE e do trabalho miocárdico de base (repouso) com capacidade de esforço (em Watts) e VO2 de pico, de forma mais robusta do que a associação da FEVE com esses mesmos parâmetros funcionais.
A eficiência do trabalho miocárdico, em repouso, obteve a melhor correlação com os parâmetros funcionais durante o esforço.
A análise multivariada confirmou que o trabalho miocárdico em repouso teve boa correlação com a (1) capacidade de carga de esforço (quantidade de watss atingidos no pico de esforço) – beta coefficient: 0.45; p < 0.001), com o (2) pico de VO2 – beta: 0.63; p < 0.0001 – , com a (3) relação E/e´ – beta: 0.65, p<0.0001 -, e (4) quantidade de linhas-B durante o esforço – beta: 0.43; p < 0.01.
Ainda, o trabalho miocárdico foi um preditor independente forte de reserva contrátil durante o esforço (beta: 0.61; p < 0.0001).
Esse estudo documenta, mais uma vez, a necessidade de uma avaliação ecocardiográfica com técnicas avançadas nessa população específica (atletas). O exame convencional, portanto, apresenta papel limitado quando estamos, por exemplo, diante de uma zona cinzenta.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.