Ecocardiografia do Esporte: desenvolvimento puberal

As adaptações cardiovasculares relacionadas à prática de atividade física de alto rendimento compreendem um grupo heterogêneo de alterações estruturais e hemodinâmicas que sofrem influência direta de vários fatores: modalidade esportiva, intensidade e carga de treino, sexo, raça e variabilidade genética.

Até aqui, estas variáveis já foram amplamente discutidas em postagens anteriores. Contudo, existe uma condição que parece também exercer forte influência, sobretudo em atletas jovens, que é o desenvolvimento puberal.

Em recente publicação, Perkins et al avaliou se o remodelamento cardíaco associado ao treino de endurance de alta intensidade é influenciado pela fase de desenvolvimento do atleta.

Perkins et al, ournal of the American Society of Echocardiography
Volume 37 Number 5

O estudo analisou corações de crianças treinadas e não treinadas antes e após o término da fase de pico de crescimento, sobretudo em relação à mecânica cardíaca (torção apical – twist).

Já sabemos que as adaptações cardíacas são distintas em relação às fases de treinamento, por exemplo. Em um período inicial de treinamento (primeiros 03 meses) há um aumento do volume diastólico final do VE, acompanhado de uma rotação apical aumentada. À medida em que o estímulo (atividade física de alta intensidade) persiste, há uma adaptação com hipertrofia excêntrica, seguida de diminuição do twist (indicando uma melhor eficiência cardíaca).

O período de desenvolvimento puberal, em que engloba a fase de pico de crescimento, se associa também à alterações cardíacas, como aumento da massa ventricular e da rotação apical. Contudo, quando o twist é normalizado, normalmente após a fase de pico de crescimento, não há diferenças significativas quando comparamos esses jovens com indivíduos já adultos. Portanto, há uma indicação racional de que o desenvolvimento puberal, per si, impacta diretamente na mecânica cardíaca.

Associado a isso, quando treinos de alta intensidade são realizados em indivíduos jovens, ainda no processo de desenvolvimento puberal (pré-adolescentes), são observados apenas um discreto grau de remodelamento cardíaco, enquanto existe uma proporção maior de alterações observadas em indivíduos já na pós-puberdade.

Foram avaliados crianças/jovens entre 8-17 anos de idade, sendo divididos em dois grupos: antes do pico de crescimento (grupo 01) e após o pico de crescimento (grupo 02). Dentre eles, indivíduos não treinados (28 meninos e 34 meninas) e indivíduos treinados em modalidades de endurance (38 meninos, 39 meninas), das seguintes modalidades: ciclismo, corrida de longa distância e triathlon.

Perkins et al, ournal of the American Society of Echocardiography
Volume 37 Number 5

Os critérios de exclusão foram (1) hipertensão, (2) tabagismo, (3) doença cardiovascular e (4) obesidade.

A frequência cardíaca (FC) de repouso foi significativamente maior, enquanto que a pressão sistólica foi menor nos pacientes do grupo 01, sem diferenças em relação a pressão arterial diastólica. Não houve diferenças no VO2 máximo entre os grupos como o mesmo padrão de treinamento.

A espessura diastólica média, massa ventricular, volume diastólico final e volume sistólico final foram maiores nos indivíduos pós pico de crescimento (treinados e não treinados) quando comparados com os indivíduos do grupo 01.

Nos indivíduos com desenvolvimento puberal ainda não completo (grupo 01), a massa ventricular esquerda, volumes diastólico e sistólico finais foram maiores entre atletas do sexo masculino, em comparação com os não atletas.

A torção apical foi maior nos indivíduos não treinados do grupo pós pico de crescimento em relação aos indivíduos não treinados do grupo 01, sem haver, contudo, diferenças em relação à rotação basal do VE. Não houve diferenças do twist relacionadas à maturidade puberal entre meninos (P = 0.067 and P = 0.708) e meninas (P = 0.094 and P = 0.067).

Entre os indivíduos pré-púberes, não houve diferenças significativas da torção apical comparando os indivíduos treinados com os não treinados (com ressalva de uma velocidade de rotação menor entre meninas treinadas). Não foram observadas outras diferenças relacionadas à função sistólica entre os participantes deste grupo.

Já no grupo 02, o twist foi menor nos indivíduos treinados em comparação com os não treinados, contudo esta diferença só foi observada entre os participantes do sexo masculino.

A diminuição do twist entre esses indivíduos se deu pela redução da rotação apical, sem haver diferenças entre a rotação basal.

A torção apical foi menor em indivíduos treinados de ambos os sexos (meninos: P < 0.001; meninas: P = 0.017) quando comparados com jovens não treinados no grupo 02.

Perkins et al, ournal of the American Society of Echocardiography
Volume 37 Number 5

Como observado, portanto, as alterações da mecânica cardíaca (twist) associadas ao treinamento físico de alta intensidade são bem mais evidente após o período do pico de crescimento.

Perkins et al, ournal of the American Society of Echocardiography
Volume 37 Number 5

A torção apical não se mostrou diferente entre os indivíduos do grupo 01, treinados ou não. Esse dado foi contra ao que foi observado em estudo prévio avaliando praticantes de futebol no período antes do pico de crescimento. Essa diferença, segundo os autores, pode ser explicada pela geometria ventricular.

No presente estudo, a “esfericidade” do coração não apresentou diferenças significativas entre os indivíduos, treinados ou não, do grupo 01. Contudo, já foi documentado que pré-adolescentes praticantes de futebol apresentam um formato mais alongado do coração, o que pode implicar em mudanças no mecanismo de torção (aqui entra a especificidade de cada modalidade).

Perkins et al, ournal of the American Society of Echocardiography
Volume 37 Number 5

As adaptações cardíacas relacionadas à atividade física de alta intensidade são bem mais proeminentes após o desenvolvimento puberal. Este fato deve ser conhecido, sobretudo para aquele profissionais que trabalham com atletas de categorias de base.

Perkins et al, ournal of the American Society of Echocardiography
Volume 37 Number 5

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