Ecocardiografia do Esporte: acompanhamento longitudinal de atletas de canoagem

O acompanhamento de um atleta ao longo de uma temporada requer o correto conhecimento dos diferentes padrões de adaptação que ocorrem ao longo de um determinado período de treinamento. Um atleta em pré-temporada não apresentará o mesmo status de um outro atleta que se encontre, por exemplo, no meio da temporada.

Portanto, os achados ecocardiográficos esperados não serão os mesmos e, partindo deste princípio, é possível utilizar este conhecimento para melhorar o planejamento de treino, individualizando cada caso, com o objetivo de melhora de rendimento e diminuição de danos (fadiga / lesões). É a ecocardiografia contribuindo para a treinabilidade.

As adaptações cardíacas induzidas pela atividade física de alta intensidade ocorrem em diferentes fases, da mesma forma que condições patológicas também podem ser classificadas de acordo com seu padrão de evolução.

Vamos mostrar um exemplo prático …

Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003651

Em um acompanhamento de 39 meses, atletas universitários (Harvard University) de canoagem (modalidade mista, com importante componente aeróbico, mas também com componente de força considerável) foram avaliados em períodos diferentes de treinamento:

  • FASE 01: período de matrícula;
  • FASE 02: após 90 dias de treinamento;
  • FASE 03: 36 meses após o término da fase 02.

O período entre as FASES 01 e 02 foi definido como fase aguda de treinamento e o período entre as FASES 02 e 03, fase crônica de manutenção.

Todos os atletas avaliados tinham idade igual ou superior a 18 anos, estavam no primeiro ano universitário e, portanto, tinham seu desenvolvimento puberal já totalmente estabelecido (esta variável tem relevância, mas isto será abordado posteriormente em outra postagem).

Todos foram submetidos ao mesmo planejamento de treino, de forma supervisionada, com práticas de canoagem e de treino aeróbico indoor, no mínimo 5 dias/semana. Treinos de força também foram realizados (lembrem-se, estamos falando de uma modalidade mista com componente de força considerável!).

Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003651

A massa ventricular esquerda, inicialmente com valores normais durante a FASE 01 (93±9 g/m2), aumentou após a FASE 02 (105±7 g/m2P=0.001), mantendo um padrão progressivo durante a FASE 03 (113±10 g/m2P<0.001 comparando com a FASE 02).

Durante a fase inicial, o aumento da massa ventricular se deu por um aumento do volume diastólico final (FASE 01, 81.0±8.7 x após FASE 02, 89.7±9.9 mL/m2P=0.004), sem haver diferença significativa em relação à espessura da parede ventricular (FASE 01, 10.0±1.1 x após FASE 02, 10.2±1.1 mm; P=0.63).

Por outro lado, a manutenção do aumento da massa ventricular já durante a FASE 03 foi atribuída ao aumento da espessura diastólica da parede do VE (Após FASE 02, 10.2±1.2 x após FASE 03, 11.4±1.2 mm; P=0.004), com o diâmetro diastólico final do VE apresentando estabilidade (após FASE 02, 89.7±9.9 x após FASE 03, 91.0±6.9 mL/m2P=0.48).

O comprimento do ventrículo esquerdo (FASE 01: 9.0±0.5 cm) não se modificou até o final da FASE 02 (9.0±0.5 cm; P=0.83), porém apresentou aumento significativo após a FASE 03 (9.5±0.4 cm; P=0.008 em comparação com o término da FASE 02).

Houve também um aumento progressivo do diâmetro do átrio esquerdo (FASE 01: 35.6±3.2 mm / FASE 02: 37.0±3.2 mm; P=0.03 / FASE 03: 40.5±2.9 mm; P=0.007 comparando com o término da fase 02) ao longo do período avaliado.

Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003651

De forma prática, as alterações estruturais observadas demonstram que no período inicial (FASE 01) todos os indivíduos apresentavam valores de massa ventricular esquerda dentro da faixa de normalidade considerada pela American Society of Echocardiography. Durante o início do treinamento, FASE 02, 50% dos atletas passou a apresentar massa ventricular esquerda aumentada, com esse número chegando a 83% após o término da FASE 03.

Da mesma forma, a espessura diastólica da parede do VE encontrava-se dentro do limite da normalidade em todos os atletas na FASE 01. Já na FASE 02, 25% dos atletas já apresentavam aumento desta medida e ao término da FASE 03, 66% passaram a apresentar espessura diastólica aumentada.

Quando realizada a indexação, quase todos os atletas (92%) apresentavam volume diastólica final do VE aumentado já na FASE 01 (eram indivíduos que já praticavam atividade física previamente), com esse valor chegando a 100% dos atletas ao longo do treinamento.

Em relação ao aumento do átrio esquerdo, 58% dos atletas apresentaram aumento do diâmetro desta cavidade ao término da FASE 03.

Comparado com a FASE 01, o stroke volume aumentou após a FASE 02, porém não assumiu um padrão progressivo de aumento, mantendo-se estável após o término da FASE 03. O débito cardíaco não apresentou variação significativa durante o período de avaliação, muito em razão da redução da frequência cardíaca de repouso dos atletas.

Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003651

Houve melhora dos parâmetros de função diastólica, sobretudo após a FASE 02, com aumento da velocidade de pico da onda E, com este padrão se mantendo estável após a FASE 03.

Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003651

Ainda, foram observadas alterações relacionadas à rotação apical do VE (twist). Inicialmente foi observado um aumento do twist durante a FASE 02 e uma redução posterior na FASE 03. Sendo mais específico, na FASE 01 a rotação média foi de 8.4°±3.3°, com aumento na FASE 02 para 12.6°±3.6° (P=0.02) e posterior redução na FASE 03, 8.5°±2.8° (P=0.03, comparando com o término da FASE 02 e P=0.79, comparando com a FASE 01).

Em contraste, o pico diastólico precoce do “untwisting rate” (UTR) aumentou durante a FASE 02 e permaneceu estável na FASE 03 (FASE 01, −102°±38° per second versus pós FASE 02, −145°±35° per second, P=0.04; pós FASE 03, −139°±29° per second, P=0.79 comparado com o término da FASE 02).

Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003651

Portanto, durante o período de seguimento de 39 meses, foram observados duas fases distintas de adaptação: uma fase inicial, em que há predomínio de dilatação do VE, com melhora dos parâmetros de função diastólica e aumento da rotação apical; seguida de uma fase crônica, com aumento da espessura diastólica das paredes do VE, manutenção de aumento dos parâmetros de diástole e regressão da rotação apical.

Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003651
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